O renascer na aldeia de Álvaro tem um duplo significado e uma história de dois séculos.
Primeiro vamos ao episódio mais recente. O grande incêndio de Outubro do ano passado que devastou toda a zona circundante e 40 casas de Álvaro.

O horizonte começa a dar sinais de renascer mas ainda há manchas de serras cobertas com troncos carbonizados. Na rua principal da aldeia as casas que arderam só recentemente começaram a ser reconstruídas. Algumas ainda estão em ruína e com os escombros.

As casas de Álvaro a "desfilar" no topo da serra
As casas de Álvaro a “desfilar” no topo da serra

Quem tenta perceber o que foi o drama destas comunidades tem em Álvaro uma ilustração física muito fiel e densa. Uma conversa com os locais, mesmo que breve, evidencia rapidamente que estão ainda abertas as feridas do drama. Não é de admirar.

Quase um ano depois só agora começou a recuperação de algumas casas
Quase um ano depois só agora começou a recuperação de algumas casas

Todos os dias convivem com as ruínas das casas que continuam a aguardar recuperação.
E com uma sensação de maior injustiça porque uma actividade que ajudava a economia local era o turismo e baixou após os incêndios.

"Aldeia branca" de xisto
“Aldeia branca” de xisto

Na verdade, não há razão justificável para esta diminuição porque a aldeia continua com uma património fantástico e pouco a pouco a beleza natural ganha os contornos deslumbrantes.
Iguais aos dos meandros do rio Zêzere que passa aqui num dos vales mais bonitos de todo o seu percurso.

Praia fluvial
Praia fluvial

O rio faz várias curvas entre as encostas e uma das margens foi aproveitada para uma praia fluvial com duas piscinas e um cais de ancoragem.
A vegetação, em particular próximo do rio, está a regenerar. As cores do Zêzere e das árvores dão um colorido que ganha nova vivacidade no cume da encosta com as casas brancas de Álvaro, como se estivessem num desfile a tentar encantar o rio.

O Zêzere a serpentear a serra em frente de Álvaro
O Zêzere a serpentear a serra em frente de Álvaro

A maior parte das casas são de xisto mas foram caiadas de branco. Álvaro faz parte da rede das Aldeias de Xisto, das chamadas “aldeias brancas”.

O aglomerado urbano é pequeno e dá um ar ainda mais sensível às poucas ruas que percorrem o topo da colina com vales escarpados e profundos.
O povoado é muito antigo. Há uma ponte romana nas imediações, na Ribeira de Alvélos, e ganhou relevância com os visigodos. Foi sede de concelho e teve castelo.
O lugar da antiga câmara é agora a sede da Junta de Freguesia e a Loja das Aldeias de Xisto.

A antiga prisão
A antiga prisão

A prisão ganhou nova utilidade ao ser transformada em casa de habitação e do castelo só resta o nome da rua.
Álvaro esteve na dependência da Ordem de Malta. A fé e a devoção teve uma forte influência que ainda chega aos dias de hoje. Há sete capelas e igrejas, cinco estão dentro da povoação e a freguesia tem 23 “alminhas”.

Praça da Misericórdia
Praça da Misericórdia

As igrejas constituem um património muito interessante que remonta ao século XVI, à presença da Ordem de Malta. As que mais se destacam são a Igreja Matriz de S. Tiago e a Igreja da Misericórdia.
A história da Matriz está também marcada por um incêndio. Foi reconstruída em 1820 e reformulada no decorrer do século XX. O altar mor é resultado desta alteração e os dois altares laterais, em talha dourada, são do século XVI.

Sacrário em pedra de Ançã
Sacrário em pedra de Ançã

Num deles está uma peça muito delicada, um sacrário em pedra de Ançã.
É na sombra da entrada principal da igreja que alguns locais se encontram. Próximo do miradouro que tem uma vista para o Zêzere e para aldeias vizinhas isoladas no meio das serras.

Vista para Gaspalha
Vista para Gaspalha

A torre da igreja é o posto de vigia da aldeia porque se destaca entre o casario.

A Misericórida do esqueleto do capitão

Mais discreta, mas não menos interessante, é a Igreja da Misericórdia. Foi construída no final do século XVI quando da fundação da Misericórdia.
A igreja terá sido aumentada porque uma parte do piso é em pedra. O altar mor é em talha dourada.

Altar-mor da igreja da Misericórdia
Altar-mor da igreja da Misericórdia

Logo ao primeiro olhar destaca-se um conjunto de estátuas que representam Cristo deitado. É uma estátua enorme acompanhado das Santas Mulheres e de S. João Evangelista.
O altar está ladeado por duas estátuas em pedra, em tamanho grande. Representam Nicodemos e José de Arimateia e são da autoria de um discípulo do mestre João de Ruão. O teto tem 21 caixotões pintados de santos e foram feitos na época filipina.

Capitão José Rodrigues Freire
Capitão José Rodrigues Freire

Em 1797 foi acrescentada uma ala lateral. É a capela do Senhor dos Passos que tem uma estátua grande no altar. A surpresa está no chão, no piso de soalho de madeira com uma lápide tumular de José Rodrigues Freire.
A capela foi uma promessa do capitão da Cavalaria do Príncipe. Como não morreu na guerra mandou construir a capela e o seu corpo foi trasladado para aqui em 1806 a partir do Brasil. Dois séculos depois o esqueleto parece intacto e é só tirar uma tábua, mesmo ao lado da placa tumular para se ver o crânio.

Esqueleto do Capitão José Rodrigues Freire
Esqueleto do Capitão José Rodrigues Freire

Uma sugestão que habitualmente é feita por Raquel Freire e Cristina Alves que trabalham na Loja de Xisto. Diz a Cristina Alves que há quem não queira ver e outros deitam-se ao lado do esqueleto para tirar uma fotografia.
Quando se tira a tábua de madeira há um primeiro impacto porque ele está mesmo a olhar para nós.
A lápide tem a referencia a José Rodrigues Freire e ao seu irmão que “são os fundadores desta capela (…) como também o sino grande que na torre se toca e mandaram conduzir da cidade de Lisboa”.

Núcleo museológico
Núcleo museológico

O tempo guardou também outros objectos que estão na sacristia e que funciona como museu. Peças de vestuário, sudários e ex-votos são alguns dos objectos mais antigos que partilham o espaço com pinturas de retratos de D. Maria I e Pina Manique.

Trilhos a percorrer
Trilhos a percorrer

Além do circuito das capelas os visitantes podem andar em mais dois percursos pedestres, pontualmente com algumas limitações até ser renovada a sinalética. Um faz parte da Grande Rota do Zêzere e o outro é circular, contorna o rio, a ponte romana e a aldeia vizinha de Gaspalha, onde se pode visitar um antigo lagar de azeite.

Ponte rodoviária junto a Álvaro
Ponte rodoviária junto a Álvaro

Em Álvaro há alojamento local e turismo rural. O acesso é fácil. Com a ponte que atravessa o Zêzere, mesmo ao lado da aldeia, rapidamente se chega a Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande ou Oleiros, a sede de concelho.

Raquel Freire e Cristina Alves
Raquel Freire e Cristina Alves

Em Álvaro foi assinado recentemente um protocolo entre a Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto (ADXTUR) e o governo para a revitalização e valorização turística das aldeias de xisto que foram afectadas pelos incêndios. O financiamento é de um milhão de euros.

O renascer de Álvaro e do esqueleto do capitão faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e pode ouvir aqui.

Roteiros pelas Aldeias e Xisto

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *