O bairro operário da Vista Alegre em Ílhavo vai fazer dois séculos e tem dezenas de casas habitadas por actuais e antigos trabalhadores. Preserva algumas instalações sociais e junto com o Museu, a Fábrica e a capela (que é Monumento Nacional) formam um excelente cenário para uma viagem nos últimos duzentos ano.
Machado Matos, diretor do hotel que faz parte do complexo e um estudioso da história da fábrica Vista Alegre diz que um passeio pelo Bairro Operário leva-nos para um ambiente social e urbano que foi meticulosamente organizado.
A descoberta do bairro operário através da barbearia, do teatro, da casa dos farneiros, da creche e até da selecção das árvores é uma viagem no tempo.
Um dos pontos mais referidos no bairro é o largo onde estavam duas árvores enormes e que faziam muita sombra. Uma delas ainda resiste.
Era onde os miúdos jogavam à bola, entre eles Mário Oliveira que nasceu no bairro em 1941.
O bairro operário é da altura do arranque da fábrica, em 1824 e era um projecto muito à frente da sua época. Praticamente desde o inicio que as casas já tinham água potável e saneamento. O bairro tinha ainda estruturas sociais ao serviço dos trabalhadores.
Não era apenas um dormitório e o espaço era partilhado por vários grupos profissionais, dos operários aos directores que tinham casas maiores.
Diz Machado Matos que as famílias podiam ter todos os serviços essenciais, casas com conforto, posto de saúde, enfermaria, visita de médico, escolas para as crianças, corpo privativo de bombeiros. Tinham tudo aqui, não precisavam de ir para o exterior.
Um os exemplos era a quinta, hoje urbanizada, que produzia frutos e vegetais para a comunidade local. Mário Oliveira conta que deixavam um cesto com um papel a dizer os produtos que queriam. No regresso do trabalho levavam os produtos e o pagamento era feito num desconto do salário.
Mário Oliveira lembra-se também de ir ao teatro que foi inaugurado dois anos depois da abertura da fábrica. Além da projecção de filmes havia ainda bailes e exibições da Filarmónica. No edifício do Teatro ainda hoje há atividades culturais. Recentemente foi restaurado e é muito bonita a arquitectura e o mobiliário interior.
A creche e a escola também foram adaptadas para novas funções. Um caminho que Mário Oliveira fez todos os dias – ia descalço para a escola, a “calcar o gelo”. Não havia dinheiro para comprar calçado. Nos dias de muito frio aquecia uma pedra no lume, embrulhava-a em jornais para depois “ir com as mãos quentinhas”.
José Ferreira Pinto Basto, o fundador da Vista Alegre tinha preocupações sociais com os seus trabalhadores e ninguém entrava descalço na fábrica.
Mandou fazer tamancos com madeira e correias recicladas das máquinas.
Na fábrica trabalham agora 650 pessoas mas nem todas residem no bairro operário.
A renda mensal é praticamente a mesma. Custa um dia de salário.
Agora são os trabalhadores que têm de zelar pela conservação das casas.
Mário Oliveira trabalhava no lapidário da fábrica, diz que salvou muita louça e reformou-se em 2003. Em jeito de balanço diz que gostou de trabalhar na Vista Alegre, deu o seu melhor e sente-se bem no bairro porque não há problemas, é uma “santidade”.
Machado Matos recomenda que a visita ao bairro operário seja guiada porque a contextualização ajuda a viagem no tempo.
Eu tive a sorte de Mário Oliveira se oferecer como cicerone, após uma breve conversa no Sporting Club Vista Alegre onde foi passar o tempo. Na visita ao bairro não se esqueceu de me mostrar a sua rua que é mesmo ao lado da fonte dos amores.
Bairro Operário Vista Alegre faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.