Não quer falar com ninguém, quer-se isolar, ir para um retiro? Uma sugestão é ir para a Mata do Bussaco. Vai dormir nas antigas casas dos antigos guardas florestais, no meio da mata, sem televisão nem internet e até os telemóveis têm pouca rede.
Vai ter um tipo ambiente próximo dos monges carmelitas a quem lhes era imposto um voto de silêncio. Só falavam nas rezas dominicais na igreja e de 15 em 15 dias entre eles. O resto era voto de silêncio e até as rezas que faziam nas ermidas eram mentais.
Os carmelitas descalços chegaram ao Bussaco em 1628.
Procuravam um lugar para se instalar em Portugal e o primeiro contacto em Sintra não permitia um retiro absoluto devido à presença da corte.
O Buçaco foi a escolha acertada e andaram por aqui até 1860, mais de dois séculos. O fim foi ditado pela extinção das ordens religiosas.
Deixaram um legado valioso e construíram o único “Deserto” português, um retiro absoluto do exterior.
Um conjunto que complementa a descoberta cultural com a descoberta da natureza, dos quais se destaca o Convento, a Via Sacra, fontes arquitectónicas, miradouros e algumas espécies de árvores notáveis. Há ainda o Palace.
Não eram muitos os carmelitas descalços. Em simultâneo estariam no Bussaco o máximo de 20 monges. Alguns dormiam no Convento de Santa Cruz que construíram e outros nas ermidas no meio da mata e que ainda hoje existem. Eram constituídas por um pequeno quarto, um oratório, uma capela muito pequena e a cozinha.
De certa forma, o que é hoje o Buçaco deve-se a eles. O legado edificado, cultural e natural.
Muitas das espécies aqui plantadas foram escolha dos monges. O caso mais conhecido é o denominado Cedro do Bussaco que é um cipreste originário do México.
Eles queriam árvores muito altas porque acreditavam que assim estavam mais próximos de Deus.
A preocupação em manter a mata, de salvaguardar as espécies esteve na origem de um dos primeiros documentos ecológico. É a Bula papal Urbano VIII, de 1643, que excomungava quem cortasse árvores ou cometesse outro tipo de danos à Mata.
Esta bula está replicada nas Portas de Coimbra, um dos acesso à mata e que os carmelitas fecharam para garantir o Deserto. Havia direito de admissão. Mulheres não entravam, seriam excomungadas.
Esta era a sanção que está escrita noutra bula que também lemos nas Portas de Coimbra. Na verdade, não foi bem assim. Terá havido algumas excepções. Por exemplo, o relato da poetisa Bernarda Lacerda na obra Soledades de Buçaco leva a crer que terá andado na Mata.
Curiosamente um dos lugares com mais sucesso nos dias de hoje é a igreja do Convento. É muito procurada para casamentos. Mesmo por estrangeiro. Recentemente foi o fascínio de muitos noivos russos.
O Convento está em obras e os casamentos são nas Portas de Coimbra, junto a um miradouro que em dias limpos alcança a Serra da Boa Viagem, junto à Figueira da Foz.
Do miradouro temos também uma perspectiva mais detalhada da arte dos embrechados. A utilização de pequenas pedras como se estivessem embutidas nas paredes, para efeitos decorativos.
O Convento de Santa Cruz também tem uma grande diversidade de decorações com pedras. Na igreja domina a cortiça.
A arte dos embrechados também se destaca nas ermidas e em pequenas construções que recriam a via-sacra.
Como os monges pretendiam replicar Jerusalém, construíram uma Via Sacra com a mesma dimensão e as mesmas distâncias entre os vários “passos”.
Nos percursos no meio da mata conseguimos ver várias destas construções.
Na Páscoa um grupo de pessoas recria a Via Sacra na sexta feira santa.
Estas ermidas ficam relativamente próximas do jardim central que antes era a horta e que alimentava os monges. O jardim está muito bem cuidado e faz parte do postal ilustrado em conjunto com o Palace.
O hotel foi mandado construir em 1888 e ocupou parte do Convento. A obra é da autoria do arquitecto italiano Luigi Manini, cenógrafo do Teatro Nacional de S. Carlos.
O edifício foi construído em várias fases e revela vários estilos com forte influência neomanuelina.
A estrutura central tem três pisos e um torreão à semelhança da Torre de Belém, em Lisboa.
A finalidade da construção é um pouco incerta. A intenção inicial seria um palácio real mas depois foi adaptado para hotel. Na expressão do então ministro das Obras Públicas, Emídio Navarro, devia ser construído um “palácio do povo”.
Esta área da Mata é muito visitada. Há várias estruturas de apoio e muitos casais românticos.
Quem procura o silêncio tem outras zonas dos 105 hectares da mata onde pode contemplar a natureza num retiro absoluto. Há muitos cursos de água e a vegetação é densa. A humidade e as árvores altas dão frescura às caminhadas mesmo nos dias mais quentes de Verão.
Há vários trilhos e nos passeios não se pode perder a atenção para o adernal.
É o maior conjunto de adernos em todo o Mundo. São anteriores à vinda dos monges carmelitas para o Buçaco. É uma árvore que os ramos dos arbustos se entrelaçam e formam o tronco principal. Atingem vários metros de altura. Em algumas partes foram um autêntico bosque com sucessivos entrelaçados e formas difusas. É no Buçaco que se encontra a maior concentração deste tipo de vegetação.
Este é um dos motivos porque há famílias a procurar pernoitar uns dias no Buçaco nas antigas casas dos Guardas Florestais que foram recuperadas. Vão à procura do contacto com a natureza. Outros, também originários das cidades, querem romper com o stress fazer um retiro.
A riqueza natural e o património edificado único são os pilares da candidatura da Mata Nacional do Buçaco a Património Mundial da Humanidade pela Unesco.
No ano passado o Bussaco classificado como Monumento Nacional. A Mata do Buçaco é gerida por uma Fundação.
De realçar entre as muitas iniciativas desenvolvidas o esforço de reflorestação que envolve personalidades conhecidas do mundo das artes. É o “Trilho dos Famosos”.
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Buçaco: a mata nacional dos votos de casamento e silêncio faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui.
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