O miradouro de S. Leonardo de Galafura é um dos mais encantadores do Douro.
Em primeiro lugar devido à paisagem. Tem uma vista sublime sobre o Douro.
Depois, porque foi tema da poesia de Miguel Torga que escreveu num dos seus Diários que do miradouro, Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza.
A vista do miradouro alcança uma grande extensão. Vê-se o Douro a serpentear os socalcos, algumas povoações dispersas e episodicamente um ou outro barco que segue em direção a Peso da Régua.
Torga vinha aqui contemplar a paisagem. Ver o Douro e a força da natureza.
Não é de estranhar a sua relação com este espaço. Ele próprio adoptou a Torga, uma planta que se espalha pela montanha, para o seu pseudónimo. Por outro lado, a experiência de vida quando jovem levou-o a aprender e a ter um relacionamento mais próximo com a natureza.
No Miradouro de S. Leonardo de Galafura também é feita referência a esta relação de Miguel Torga com natureza, a montanha e o Douro. Está reproduzida a referência sobre o miradouro e também um poema dedicado a S. Leonardo de Galafura.
Uma das inscrições está num painel de azulejos, em cima de uma pedra.
A citação do poema está na parede da ermida de S. Leonardo virada para o marco geodésico onde estão assinalados os 640 metros de altitude.
O miradouro tem muitas árvores, permite descansar à sombra e até há um parque de merendas.
Pode ser que ainda consiga ver a Dona Mirra, a moira encantada que passeia pelo meio do mato e à noite se refugia numa gruta, na encosta da zona rochosa e que mais tarde se descobriu que afinal é um luxuoso palácio subterrâneo.
O miradouro está perto de Covelinhas, no concelho de Peso da Régua.
O Doiro sublimado
Extracto da obra «Diário XII»:
«O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passados de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor pintou ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis de visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta».
São Leonardo da Galafura
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga
S. Leonardo de Galafura contempla “um excesso de natureza faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e pode ouvir aqui.
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