Faz agora 500 anos que um rei gostava de desfilar em Lisboa com vários animais, entre eles, elefantes e rinocerontes. Era um jardim zoológico ambulante.

Jardim Zoológico de Lisboa
Jardim Zoológico de Lisboa

Segundo alguns relatos, o zoo saía apenas algumas vezes à rua, com muita pompa e circunstância. A iniciativa era do rei D. Manuel I que se fazia acompanhar nas ruas de Lisboa por um rinoceronte, quatro elefantes amestrados, um cavalo persa e uma onça, uma oferta do sultão de Ormuz.
D. Manuel IOs elefantes estariam treinados para borrifarem com água o povo que ia ver o desfile.
No relato de Damião de Góis da Embaixada de el-Rei ao Papa Leão, em 1513, repete-se esta cena, perante o Papa e cardeais, com um elefante branco oferecido por D. Manuel I.

“No trajeto, quando passou pelo Castelo de Santo Ângelo, perante o Papa, que se encontrava numa janela do andar mais baixo, com alguns Cardeais, o Elefante fazendo sua reverência, três vezes, tomou água de uma grande dorna, na tromba, e a lançou, tão alto, que passando por cima da janela do Papa, foi dar às outras onde, por três vezes, borrifou os Cardeais e outros convidados de categoria, e, voltando-se para o povo que o cercava, fez o mesmo. Findas estas e outras cousas que o cornaca indiano lhe ordenara, o Elefante fez nova reverência e seguiu o seu caminho sem o Papa nunca tirar os olhos dele, até desaparecer.”

Nesta embaixada, além de joias, seguiu também a “onça de caça com um cavalo pérsico que lhe mandara o Rei de Ormuz, com um caçador, da mesma província, que trazia a onça sobre as ancas do cavalo, posta sobre uma coberta de tiras de couro, dourada.”

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Dois anos depois, e numa tentativa de manter boas relações com o Papa de modo a garantir o domínio comercial português, D. Manuel I enviou um rinoceronte ao Papa mas o desgraçado do animal morreu num naufrágio a cerca de 200 km de Marselha. O corpo do rinoceronte foi recuperado e embalsamado. Acabou por se tornar conhecido em toda a Europa com um desenho de Albrecht Durer.
Estes foram os primeiros rinocerontes em território europeu depois do império romano.
Por sua vez, os elefantes ganharam um forte simbolismo no nosso imaginário como um sinal de robustez.

site_jeronimos_igreja_elefantes_4980Repare-se, por exemplo, nos túmulos do Cardeal D. Henrique e dos filhos de D. Manuel I, no lado esquerdo da Igreja Santa Maria de Belém, nos Jerónimos e, no lado oposto, o túmulo do rei D. Sebastião e dos descendentes de D. João III. Cada uma das estruturas está suspensa em cima de dois elefantes.
Muito parecido é o túmulo de Fernão Telles de Menezes, que viveu no século XVI, (1530–1605) e está no Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Lisboa.

Rinoceronte no Museu de Ciência e História Natural de Lisboa
Rinoceronte no Museu de Ciência e História Natural de Lisboa

Terminada a opulência gerada pela fortuna da rota marítima das especiarias, acabaram também os elefantes. Só muitos anos depois passaram a estar ao nosso alcance em visitas ao Jardim Zoológico de Lisboa. Durante vários anos havia um que nos encantava. Tocava o sino.

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Hoje em dia também mudou bastante o modo como os elefantes e os outros animais são tratados no Jardim Zoológico. Procura-se um modo de vida o mais próximo possível do seu habitat e das regras gregárias, como nos explicou José Dias Ferreira, Curador de Mamíferos do Jardim Zoológico de Lisboa.
site_jose_dias_ferreira_6933No zoo podemos ver rinocerontes indianos, um macho e três fêmeas. Também há a espécie de elefantes africanos, um macho e cinco fêmeas. O elefante é uma das espécies mais populares do Jardim Zoológico. Toda a gente os quer ver”, diz José Dias Ferreira.

Elefante asiatico - Sri Lanka
Elefante asiatico – Sri Lanka

No passado recente existiam também elefantes asiáticos, mas o Zoo de Lisboa optou por ter apenas os elefantes africanos por uma questão de espaço. A área que lhes vai ser dedicada vai triplicar.
Entre os elefantes africanos e asiáticos há algumas diferenças assinaláveis. “São muitas as diferenças. Em termos morfológicos são diferentes, por exemplo na tromba.

Elefantes africanos no Parque Nacional de Chobe, Botswana
Elefantes africanos no Parque Nacional de Chobe, Botswana

O elefante asiático é uma espécie mais pequena e foram muito utilizados os como animais de trabalho, ao contrário dos africanos” Ainda na descrição do Curador de Mamíferos do Jardim Zoológico, “na Índia e na Ásia treinaram-se muito mais elefantes do que em África.

Jardim Zoológico de LisboaEm jardim zoológico as duas espécies são treinadas para procedimentos veterinários. É um trabalho diário, depende muito das pessoas que estão a treinar os animais e depende dos próprios animais. Neste momento, nos zoos que pertencem à Associação Europeia dos Zoos e Aquários, a única forma que está autorizada para treino de elefantes é com este objetivo.

Jardim Zoológico de LisboaA passagem dos animais é sempre através de uma vedação de segurança. O treino é feito de forma a que o animal se movimente numa zona para outra, que se coloque em determinadas posições para que se possa ter acesso às patas para fazer “manicure e pedicure”, o tratamento das patas e das unhas, e o acesso às orelhas para se fazer a colheita de sangue”. Ainda no testemunho de José Dias Ferreira, “o treino é feito através de reforço positivo. O animal recebe uma recompensa em alimento.
site_zoo_elefantes_6948Os elefantes são animais muito inteligentes. Rapidamente aprendem esse tipo de comportamento. Percebem que fazendo aquele tipo de comportamento, cerca de 15 minutos por dia, têm direito a comer um determinado alimento que eles gostam”. Um dos alimentos preferidos é a maçã, “cortada em fatias pequenas. Não convém que comam muita fruta. site_zoo_elefantes_6943O treino não dura muito tempo e eles comem apenas cerca de 1% da dieta diária de um elefante. Há também quem recorra a uma técnica interessante que é no final do treino darem uma meloa inteira a um elefante.”
Uma outra preocupação com os elefantes é adequar a sua integração “num grupo social correto, porque são animais especiais. Não são solitários, eles próprios cuidam dessa parte emocional. “

No Jardim Zoológico de Lisboa os exemplares de elefantes africanos têm casotas grandes onde por vezes descansam e se refugiam do sol.
site_elefantes_cascta_zoo copyNa altura em que os vi não lhes apetecia andar no lago para onde corre a água que cai de uma cascata.
Estão numa zona com uma ligeira inclinação de onde podemos ver os rinocerontes que, esses, sim, estavam imóveis no lago que está em frente dos dormitórios.

site_zoo_rino_6965O rinoceronte é menor do que o elefante e a carcaça que os protege é inconfundível e fez história na Europa.
Os rinocerontes também recebem treino. O processo é relativamente semelhante ao dos elefantes. Os rinocerontes indianos são fáceis de treinar. São animais que facilmente se fazem movimentar de uma instalação para outra”.

Jardim Zoológico de Lisboa
Jardim Zoológico de Lisboa

No entanto, o tratador deve ter “sensibilidade para perceber a situação em que está o animal. Nós temos de saber ler aquilo que os animais querem. Tal como nós podem estar com temperamento diferente. É preciso saber ver isso. Por vezes querem estar com outros, outras vezes não.”
site_zoo_rino_6959No caso dos rinocerontes não são tão sociáveis como, por exemplo, os elefantes. “Neste momento podemos ter as fêmeas em situação gregária, porque é suposto ser assim, juntando-se de vez em quando com o macho, para reprodução, quando há fêmeas em cio.
site_zoo_rino_6957Com os elefantes é completamente diferente porque são animais extremamente gregários. Cada uma das fêmeas ocupa uma posição hierárquica importante. É a matriarca e as outras têm bem definidos os níveis hierárquicos. Elas próprias ajudam-se umas às outras, em relação a tomar conta das crias e à defesa da manada. No caso dos elefantes é muito importante mantê-los em grupo.”
Em alguns países asiáticos ainda hoje vemos muitos tratadores de elefantes. Há pequenas comunidades onde os elefantes desempenham um papel fundamental no transporte de pessoas e na atividade económica.

site_zoo_elefantes_6928 É o caso da Índia. A robustez e a calma dão segurança a quem vai montado. Convém uma boa proteção para as nossas pernas porque não é agradável o contacto físico, quando as pernas batem nos pelos rijos do animal.
Há algum fascínio sobre os tratadores indianos ou desta região do Índico.
Algum deste fascínio está retratado em várias publicações literárias. Gente pequena, ágil e com uma capacidade fantástica em se relacionar com os elefantes.
Nos jardins zoológicos o relacionamento é muito diferente, mas algumas das competências são as mesmas. Jardim Zoológico de LisboaRecorremos de novo ao testemunho e à experiência de José Dias Ferreira: “um bom tratador tem de ter uma sensibilidade especial. Principalmente porque lida com espécies diferentes, mesmo no círculo de mamíferos. Tem de saber ler animais. No meu entender é das caraterísticas mais importantes. É saber olhar para um animal, que não nos vai dizer se está bem ou se está mal, e pela postura dele, pela forma como se movimenta, percebemos a situação em que está. O tratador tem de gostar do que faz. É quase um dom para ser um bom tratador.” Para se ser tratador de animais “não é preciso tirar um curso. Há cursos de zoologia mas não é preciso um curso específico.
site_zoo_6969Existe imensa informação acerca de cada uma das espécies. Sendo membros das Associação de Zoos temos acesso a uma biblioteca de cerca de um milhar de publicações. O conhecimento que temos aqui sobre reprodução é muito superior aos que estão a trabalhar em habitat natural porque têm acesso limitado aos animais. Organizações como o ACN ou o WWF têm recorrido a pessoas que trabalham em jardim zoológico para obter esse tipo de informação. Estas organizações trabalham em conservação só em habitat natural e nós trabalhamos em conservação só em jardim zoológico. Neste momento estamos a criar equipas conjuntas com a expetativa de conseguirmos resultados muito superiores”.

Jardim Zoológico de LisboaDos escassos relatos da época não se conhece a espécie dos elefantes do rei D. Manuel nem a nacionalidade dos tratadores. Em alguns países, nessa altura, era hábito o tratador acompanhar o elefante ao longo de toda a sua vida.

site_zoo_6923No Jardim Zoológico para descobrir os elefantes e rinocerontes que desfilavam em Lisboa faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

O Vou Ali e Já Venho tem o apoio:Af_Identidade_CMYK_AssoMutualistaAssinaturaBranco_Baixo

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