O melhor dia para visitar Idanha-a-Velha é quinta-feira. É o dia em que vai o homem da fruta e também o vendedor de peixe. Em redor do pelourinho juntam-se algumas pessoas, dos cerca de meia centena de residentes.
Aguardam os comerciantes e ajudam a passar o tempo.
Foi assim que conheci Albertina Mendes, que passou grande parte da vida a trabalhar para o último morgado de Idanha-a-Velha, António Marrocos.
Sentada numa das pedras do pelourinho e na presença de alguns vizinhos, contou-me que “no tempo em que eu me criei andava tudo a trabalhar para o Marrocos. Havia pouca agricultura. Nós não tínhamos horta. Era tudo dele, não havia hortas, batatas…”
Albertina acrescenta que, na altura, as condições de vida “eram muito más. Sabe quantos anos eu tinha quando comecei a trabalhar? Nove. Casei-me com 17 anos e sabe quantos quilos eu tinha? 43!”. Curiosamente, conclui que desse tempo não tem saudades nem pena porque “aprendi muito no campo. Graças a Deus sei fazer tudo.”
Albertina Mendes estava sentada na base do pelourinho virada de frente para a grande Casa de Marrocos que levou mais de 30 anos a ser construída e nunca foi acabada. Tem um delicado trabalho em cantaria de granito.
“Quando era rapariga levei para lá muita água, para os pedreiros.” Agora a casa continua a reunir a atenção dos residentes devido à expetativa de vir a ser restaurada para um projeto turístico. Tem demorado, uma expetativa que se arrasta há anos e que ainda persiste.
Percorremos as ruas de Idanha-a-Velha e sente-se a frieza das pedras das ruas e das casas porque não há pessoas. No Verão regressam alguns emigrantes e alguns turistas vão descobrir o património da antiga Egitânia, em particular a antiga Sé Catedral.
Após a passagem da bonita porta Sul que ainda mantém o arco, podem-se fazer passeios ao rio Ponsul e à ponte romana. Mais recentemente foi criado um núcleo museológico e o Lagar de Varas para visitação.
É um ambiente completamente diferente da rotina de há algumas décadas atrás em que chegava gente de fora, mas era para trabalhar ao lado de Albertina. “Eu trabalhei com muitas raparigas de Monsanto. A sachar trigo, milho, feijão, grão.. Ele (Marrocos) colhia tudo porque tinha muitas pessoas ao mês e ao ano. Nós tínhamos o pão, o azeite que eram 3 litros e depois passou para 5. Dos 5 litros de feijão passou para meio alqueire (7 litros) e dava-nos a casa. Era tudo incluído no ordenado”.
A desertificação começou em meados da década de 50. “Na geração dos meus filhos foi quase tudo embora. Mais para Lisboa. Para o estrangeiro foram poucos.” Um idoso que também participava na conversa era dos poucos que tinha familiares fora de Portugal.
São poucos os residentes, cerca de meia centena, mas as casas estão todas ocupadas e nota-se que a grande maioria foram recuperadas mantendo o xisto e, maioritariamente, o granito.
“As casas eram todas da família Marrocos. A gente trabalhava para eles. Ele faleceu e o filho vendeu. A gente comprou e cada um arranjou a sua casa. As pessoas arranjam e põem as coisas logo à antiga.”
Idanha-a-Velha voltou também a ter um café. Está também ao lado do pelourinho. Algum tempo atrás o café era na antiga Casa da Câmara que ainda hoje se revela robusta, em granito, apesar de ter deixado de ser sede de concelho há cerca de 150 anos.
“Foi uma escola, mas foi apanhada no 25 de Abril. Pelo povo, para fazer um café que não havia. Fez-se o café e as pessoas arranjaram o interior. A minha escola foi aqui, depois arranjou-se o café, depois o café era o centro de dia. Nós apanhámos isto, mas depois ele deu-nos. Para os idosos e em cima para livros. Entretanto fechou, está tudo fechado.”
A casa fica ao lado da igreja Matriz e em frente do pelourinho. É aqui que continuamos à espera do vendedor de fruta e no final da rua, próximo da Torre Templária uma vizinha já apareceu várias vezes a perguntar se ele já chegou.
Albertina explica-me a rotina: “este senhor vem nas quintas feiras. Veio na semana passada e tem lá muito que fazer porque é tudo colheita dele. É de Alpedrinha. Há umas pessoas que abalam para Lisboa e estão à espera dele para levarem fruta e outras encomendas. Também cá vem o pão, de Penha Garcia e ontem, quinta feira, esteve o homem do peixe.”
Em dias soalheiros o sol aquece os corpos e as pedras e os vendedores sabem qual o ponto de encontro. Não precisam de assinalar com a buzina do carro que já chegaram e esperam pelos fregueses.
Quinta-feira é dia de ir a Idanha-a-Velha faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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