António Colaço apaixona-se por tudo o que faz. Realizou uma exposição sobre os 50 anos como artista plástico, mas é de forma aberta que se quer relacionar com quem pretende descobrir os seus trabalhos. Um deles, uma chaimite caligrafada, está numa rua de Mação. Fica a caminho do atelier que está de portas abertas e que o artista deseja que seja interativo.
Em Mação o primeiro destino é a rua Cipriano Dourado. Rapidamente descobrimos num cruzamento a chaimite Palavril. O nome é um trocadilho entre palavra e Abril. A escrita e a Revolução do 25 de Abril onde chaimites idênticas assumiram a força dos militares e do povo que saiu à rua.
A Palavril está toda caligrafada, tem desenhados alguns cravos dourados e onde assentava a metralhadora repousam agora cravos vermelhos.
A envolvente urbana dá-lhe alguma discrição, mas seguramente, é uma “chaimite” de surpresas para os incautos.
O atelier fica no Ninho de Empresas de Mação e, segundo António Colaço, “é um espaço que reúne diversos pavilhões, entre serralheiros, mecânicos, carpinteiros, cervejeiros e também tem aqui um artista plástico.”
O atlier de portas abertas
Convém anunciar a chegada porque António Colaço dá “uma dimensão cénica” à nossa entrada. Abre lentamente o portão, com música de fundo e pouco a pouco surge uma bonita arrastadeira preta, de 1938, toda caligrafada de branco e atrás uma mota, também sujeita ao mesmo processo. O efeito é conseguido, impressiona quem chega.
Ele tem razão, “não é todos os dias que podemos ver um exemplar como este, de 1938.”
A arrastadeira ofusca tudo o resto. Só depois de uma visão detalhada é que reparamos no resto do espaço como por exemplo na mota, também caligrafada.
“As pessoas ficam admiradas na forma como uma mota entra na categoria de arte. A forma como o quotidiano entra aqui e se dialoga com ele. A arte não existe, a arte somos nós. A ideia é dar vida às coisas que aparentemente já não têm vida.
É o caso das coisas incendiadas, em 2017. Estão aqui bem vivos. Apesar de ardidos a arte deu-lhes nova vida.” António Colaço refere-se a troncos de árvores quase calcinadas que trabalhou com tintas e que expressam uma nova intensidade dramática.
O multifacetado António Colaço é assim, entrega toda a sua alma aos projetos onde se envolve e com o atelier pretende contagiar quem o visita.
“Este é um atelier de portas abertas e insisti em que a parte onde trabalho integrasse o espaço da coleção permanente. Neste momento estão apenas trabalhos meus, mas já estiveram de outros artistas plásticos e até de outras pessoas. Este lugar é para expor-me, todo, mas também tudo, de todos aqueles que queiram colaborar. É uma casa aberta.”
O atelier onde trabalha é partilhado com a exposição de trabalhos plásticos ou com o órgão que por vezes enche o pavilhão de novas sensações.
Muitas das obras enchem as paredes e algumas têm (ou tinham) um significado especial. “Estes são os quadros que, fundamentalmente, eu dizia que não me queria desfazer deles. Agora estou numa fase de desafazer-me de tudo. Porque eu não sei o que me vai acontecer, já não me resta muito tempo…”.
É a cicatriz de um AVC que também lhe exige novas posturas para pintar. No entanto, não lhe retira o objetivo de contagiar (hoje é uma palavra perigosa!) os mais novos para o prazer da criação.
“Oficialmente isto ainda não foi inaugurado porque, utilizando um palavrão, o cabrão do vírus veio atrapalhar a vida a muita gente. Havia protocolos com as escolas de Mação, com a Universidade Sénior e com as escolas dos mais pequenos”.
Apesar das dificuldades algumas crianças já fizeram o roteiro “António Colaço” por Mação, desde tocarem o órgão da igreja, passar pela chaimite e “sentarem-se no chão, no atelier, para desenhar a mota, a arrastadeira… o que lhes apeteceu. Isto era o embrião, isto está aberto às propostas que as pessoas queiram fazer nesse sentido.”
Caligrafar é conversar
Há sempre uma grande capacidade de improviso que se verifica igualmente nas técnicas e nos materiais que utiliza nos trabalhos plásticos.
Onde, talvez, se verifica maior disciplina na forma é na caligrafia, uma marca muito presente nos 50 anos de atividade plástica. “O que eu faço é uma transfiguração da escrita. É uma escrita que conserva o seu lado gestual. Olhamos e verificamos que aparentemente é uma escrita, mas é uma escrita transfigurada.
Aquela arrastadeira está toda caligrafada e conta uma história. A minha história. Mas, cada uma das pessoas que vê estas peças, é convidada a fazer a sua própria história.”
Fica o convite, as portas estão abertas. Até as da arrastadeira.
Vamos caligrafar António Colaço faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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