A riqueza económica do distrito de Viseu e o desenvolvimento esperado da sua ligação com o norte do país justificou que no plano de 1877 da Ordem dos Engenheiros se inscrevesse uma linha férrea, a Linha do Vale do Vouga.
O estudo do traçado, de 1895, é do engenheiro Cândido Xavier Cordeiro, com a colaboração de Basílio Castelo Branco. Aproveitando o potencial do Rio Vouga foi ponderada a solução de exploração da linha com tração elétrica.
Afirmava-se que a linha projetada atravessava os concelhos mais ricos e populosos da região, abria uma via de comunicação direta e rápida entre a província da Beira e a cidade do Porto, encurtava a distância das povoações do interior para as praias de Aveiro, Ovar, Espinho e Granja, que levaria animação às excelentes caldas de S. Pedro do Sul e às de S. Jorge e daria um impulso à indústria tanto mineira (chumbo e cobre) como fabril.
Para aproximar a Linha do Norte a Viseu, o plano de fevereiro de 1900 já classificava a linha de Viseu a Espinho com ramal de Sever do Vouga a Aveiro.
O serviço de construção iniciado em finais de 1907, feito com excelentes locomotivas Corpet e vagões pertencentes ao empreiteiro e engenheiro francês François Mercier, teve a trabalhar nos acabamentos da linha até Oliveira de Azeméis 700 homens e mulheres.
Contando com a presença do Rei D. Manuel II, o Presidente do Conselho, Ministros das Obras Públicas, do Estrangeiro e da Justiça, a linha foi inaugurada em 23 de novembro de 1908, entre Espinho e Oliveira de Azeméis, abrindo à exploração em 21 de dezembro seguinte.
A locomotiva 12, uma Corpet Louvet do empreiteiro, rebocou o comboio inaugural formado com material emprestado pelos Caminhos de Ferro do Estado – Minho e Douro, indo da Linha do Corgo o salão ARs 1,
hoje preservado no Museu Ferroviário de Arco de Baúlhe, duas carruagens de 1ª classe e mais outra.
Os 177,528 km do sistema Vale do Vouga eram compostos por 140,408 km entre Espinho e Viseu, por 34,585 km entre Sernada e Aveiro, e por 2,535 km do ramal da estação de Aveiro a Aveiro-Canal de São Roque.
Devido a dificuldades do terreno para além de S. Pedro do Sul, a Linha do Vouga foi concluída e aberta à exploração em toda a sua extensão em 1914. Foi modelar a construção, as obras de arte “constituem lição e exemplo valioso para os nossos construtores”. Obedecendo “ao critério d’economia na exploração” as estações foram “moldadas pelas dos Caminhos de Ferro da Córsega”.
A linha, em via métrica, com o Eng.º Prévault como chefe de exploração, tinha estação própria em Espinho, instalações para a tração e mais um apeadeiro quase em frente da estação da via larga.
A estação de Viseu, construída pela Companhia Nacional em 1890 para serviço da linha com origem em Santa Comba Dão, adaptou o vestíbulo “para satisfazer o natural aumento de tráfego devido à Linha do Vale do Vouga”.
Numa extensão total de 774,77m de túneis, a linha contava entre Espinho e Viseu com 20 túneis, 15 abertos em rocha, quatro a cantaria, um a betão, e o de Eirol, em grés vermelho, que com 74m é hoje o mais extenso da linha.
“À beleza da região alia-se a das suas pontes, de linhas delicadas…”
“Foi um modelo de rapidez e perfeição de construção, adotando-se ali, pela primeira vez em Portugal, pontes e viaductos de alvenaria aparelhada e de vãos a que os nossos constructores não se haviam abalançado”.
Das 18 pontes existentes treze serviam o percurso entre Espinho e Viseu – três metálicas e as restantes em alvenaria -, quatro servem o Ramal de Aveiro, sendo metálica a de Azurva, tal como a que, sobre a Linha do Norte, foi parte do Ramal de Aveiro-Canal de São Roque.
A Linha do Vouga foi desde a sua origem considerada caminho de ferro secundário, embora de valor, construída em condições económicas que se manifesta nos edifícios singelos, na sinalização simplificada e na “substituição do telégrafo pelo telefone”.
Em 1923, a Compagnie Française pour la Construction de Chemin de Fer à L’Etranger, com sede em Paris, foi nacionalizada, num processo que veio a transferir a exploração da linha para a Sociedade de Construção e Exploração de Caminhos de Ferro no Norte de Portugal, com estatutos de 8/3/1926.
Em 1932, abriu à exploração o ramal entre a estação de Aveiro e Aveiro-Canal de São Roque para serviço de mercadorias, transporte dos materiais destinados às obras da barra e para as relações da via estreita com o porto interior, constituindo “o primeiro troço da linha de Cantanhede”.
Sernada, a 62 km de Espinho, 79 km de Viseu e 35 km de Aveiro constituiu-se no ponto de convergência onde ficam as oficinas gerais e o depósito de máquinas.
Apesar das contingências, o pioneirismo da Vale do Vouga é manifesto quando, após a I Guerra Mundial, urgindo resolver o problema dos carburantes nacionais, para substituição da gasolina, “como um dos mais importantes, sob o ponto de vista financeiro, político e económico”, apresentava, frente ao Cinema S. Luiz, três autocarros Panhard Levassor, que vieram a trabalhar com carvão de pinho desde Bordéus até Lisboa para, a partir de 26 de novembro de 1930, iniciar um serviço de autocarros entre Viseu e a Régua por S. Pedro do Sul.
Os “três luxuosos carros com a lotação de 30 passageiros cada”, ligavam os caminhos de ferro do Vale do Vouga aos do Douro e Vale do Corgo.
Depois da inauguração pela CP, em 8 de agosto de 1940, do magnífico comboio “Flecha de Prata” foram registadas boas impressões na inauguração do “auto-rail”, para 28 passageiros, que a Vale do Vouga conseguiu pôr em circulação para benefício do passageiro. Assistia-se a mais uma inovação nos caminhos de ferro portugueses, pela necessidade e conveniência de se estabelecer serviços mais rápidos, algo de novo entre nós.
O horário previa um serviço trissemanal entre Viseu e Espinho, ligando aqui com o comboio que partia às 12:40 para o Porto.
Por aquela altura, para reforço da segurança rodoferroviária, foram guarnecidas com cancelas basculantes 11 passagens de nível (PN) das estradas nacionais Lisboa-Porto e Albergaria-a-Velha a Viseu, “um novo tipo” estudado pelo Eng. Ricardo Gayoso, de Penha Garcia, e construídas nas oficinas de Sernada.
Desde os anos 30 do século XX, o caminho-de-ferro perdeu o monopólio do transporte terrestre com o advento do automóvel.
Com o eclodir da II Guerra Mundial as condições de exploração das linhas aceleraram a unificação do setor na CP, com exceção da Linha de Cascais.
Tendo começado a operar, em 1947, como única concessionária do transporte ferroviário no país (Lei 2008, de 7.9.1945), a CP, para melhorar os horários dos serviços, procedeu à renovação da via no Vouga.
Na década de 1960 foi aplicado na linha o regime de exploração simplificada, com algumas estações em eclipse.
Justificado pelos incêndios provocados pelas locomotivas a vapor, o serviço ferroviário entre Aveiro e Viseu foi suspenso em 26.08.1972 e substituído por camionetas.
Em 1975, a CP foi nacionalizada. Em consequência do “25 de Abril”, em junho de 1975, o serviço ferroviário foi reposto contando ainda com automotoras a gasolina construídas em Sernada, com as Allan e, mais tarde, com as Duro Dakovic, remotorizadas em 1992/1993 nas Oficinas de Guifões.
Quando em janeiro de 1990 encerrou o troço entre Sernada e Viseu, foi efémero o serviço de autocarros que substituiu o dos comboios.
Com a passagem da Linha da Póvoa para o Metro do Porto, e a transformação para via larga da Linha de Guimarães, a Linha do Vouga entre Espinho-Sernada-Aveiro passou a ser servida, até hoje, pelas unidades construídas na Sorefame em 1991.
Tida em conta a evolução do funcionamento e da organização da ferrovia, para adaptação às exigências do Mercado Único e para o aumento da eficácia, após a entrada de Portugal na CEE, a Diretiva 91/440/CE deu origem, em 1997, ao aparecimento da Rede Ferroviária Nacional – REFER, hoje IP – Infraestruturas de Portugal, SA; ao INTF – Instituto Nacional do Transporte Ferroviário, atual IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP; bem como à AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes que, desde 2014, é a entidade reguladora e fiscalizadora do setor dos transportes.
Determinando o Despacho do Ministério do Equipamento Social, de 13.12.1983, que a Linha do Vale do Vouga e Ramal de Aveiro possam ser explorados sob os pontos de vista turístico e histórico-cultural, a CP, mantendo o serviço comercial regular, tem vindo desde 2017 a desenvolver um projeto de comboios turísticos para o Vouga que, nos próximos dias 24 e 25 de abril, voltarão a alegrar a paisagem, entre Aveiro e Macinhata do Vouga.
Por aprovação na Assembleia da República a 27 de março de 2021, a Linha do Vouga vai ser incluída no Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), com o uso do Passe Intermunicipal.
Comemorando-se em 2021 o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, o comboio, como modo de transporte ambientalmente sustentável e que promove a coesão social e territorial, continua a servir a mobilidade que justifica o seu futuro na Linha do Vouga.
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