A igreja de S. Miguel do Fetal é a mais antiga de Viseu e no seu interior repousa Rodrigo, o último rei visigodo. A serpente gigante só se encontra na noite de S. João.

O retábulo do altar mor da igreja de S. Miguel do Fetal é vistoso, em talha dourada, em contraposição à frieza do granito do tumulo descrito pelo historiador João Fonseca Ferreira : “tem uma inscrição sui generis: Aqui está sepultado Rodrigo o último rei dos godos”.
Seguindo a lenda que se mistura com a história, depois da batalha de Guadalete, em 711, o rei Rodrigo foi vencido e fugiu para a zona de Salamanca e mais tarde refugiou-se em Viseu, na zona de S. Miguel do Fetal. Escondeu-se numa gruta.”

Estamos no século VIII e é mais ou menos nesta altura que foi construída a igreja. No entanto, foi profundamente reformulada no século XVIII e, talvez, nesta altura tenha fugido a serpente.

“Diz também a lenda que existia nessa gruta uma serpente gigante que comeu o Rodrigo e que o rei acaba também por se transformar numa serpente. É uma lenda com algumas variações e vem do século XVII. Foi passando de geração em geração e uma das últimas versões falava num buraco junto ao altar de S. Miguel de onde saía a serpente na noite de S. João.
Vinha para a rua fazer uma espécie de vigia à cidade para a livrar dos inimigos. É uma lenda muito antiga que tem alguns paralelos com o que se encontra nas zonas de Trás os Montes e Galiza”.

Este imaginário é revelador de medos, culpas e valores que a cultura e a religião foram criando desde a chamada “época das trevas”.
D. Rodrigo não fica bem na história. “Chegou ao poder sem ser por transmissão direta de linhagem. Era uma figura conflituosa. Foi acusado de violar uma mulher e a confiança do pai, o alegado Conde Julião. Este era governador de Ceuta que, por vingança, abriu as portas à invasão dos mouros liderada por Tarik na parte sul da Península Ibérica e onde Rodrigo era o rei dos godos. O rei Rodrigo é uma figura mal compreendida.”

E para a moral redentora dominante, tinha de haver a penitência. “Curiosamente quando Rodrigo vem para a gruta em Viseu veste a pele de eremita, uma espécie de redenção” do que foram os seus infortúnios.
O facto de ser o universo das lendas a traçar o sentido da História evidencia como esta época constitui um vazio de conhecimento.
Como se pouco ou nada tivesse ocorrido em quatro séculos, entre o fim do império romano e a presença árabe.
“De facto essas personagens da Alta Idade Média estão envoltas em mistério. Isso deve-se em primeiro lugar à dificuldade em se encontrar registos escritos. Os achados arqueológicos também são escassos. Deste modo os historiadores não produzem conhecimento e o vazio estende-se aos manuais escolares e ao ensino.”

Este desconhecimento pode explicar, em parte, porque não é grande o número de visitante portugueses à igreja de S. Miguel do Fetal.
“A maior parte das pessoas da cidade de Viseu sabe do tumulo. Mas não é muito visitado pelos viseenses e pelos portugueses em geral. Há um certo desconhecimento. No entanto, há um número relevante de turistas espanhóis que vêm de propósito a Viseu visitar o tumulo de D. Rodrigo.”

A presença de espanhóis explica-se por um maior interesse pelo reino visigodo de Hispânia, a primeira vez que Espanha assumiu uma unidade política e administrativa. Há também mais conhecimento produzido por historiadores. Há muito mais fontes de informação embora também se registe um número escasso de documentos.
“Os espanhóis trabalham essa época de uma forma mais profícua e vão aplicando em vários domínios do saber e da cultura”. Por outro lado, este é também um período muito rico em termos de “imaginário visigodo em certas cidades sobretudo Salamanca, Toledo e Córdoba”.

João Ferreira

João Ferreira salienta que a lenda da fuga para Viseu é mais um episodio incerto da vida de Rodrigo. Na guerra de Guadalete os muçulmanos dizem que ele morreu. Os cristãos dizem que fugiu. Por isso é também incerto se faleceu em 19 de Julho de 711 e/ou para onde fugiu.

Com contornos imprecisos, maltratado pela História e alvo de castigo moral, D. Rodrigo é uma personagem que seduziu vários criadores. Escritores, pintores e músicos como Haendel que compôs a ópera Rodrigo.

D. Rodrigo – o adeus ao último rei visigodo e à serpente gigante faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

Comments

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *