No santuário da Senhora da Lapa, em Sernancelhe, é retomada hoje uma tradição que está associada às cores das fitas de cetim dos cursos universitários. É igualmente um ritual de agradecimento dos finalistas que pediam ajuda à Senhora da Lapa quando defendiam as teses de doutoramento e que terá evoluído para os atuais registos da “Queima das Fitas”.

No bonito e surpreendente Santuário de Nossa Senhora da Lapa, mesmo ao lado do edifício onde estudava Aquilino Ribeiro, celebra-se hoje um ritual que esteve interrompido quase dois séculos e que marcou profundamente a vida académica de Coimbra e Salamanca.
A meio da tarde Ibsen Casas Noronha vai participar na Celebração de Graças após o doutoramento em Coimbra.

Ibsen Casas Noronha

Na mesma altura em que defendia a tese de doutoramento na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, uma iluminura em cetim com fazia de manto na imagem da Senhora da Lapa no santuário de Sernancelhe.

Ao lado o resumo da tese em português e em latim. A vermelho, tal como o cetim, porque se trata de uma avaliação do curso de Direito.

Ibsen Casas Noronha é há mais de duas décadas professor na Faculdade de Direito de Lisboa onde leciona História do Direito e História da Administração Pública. É de origem brasileira e procurou retomar uma devoção muito associada aos estudantes do Brasil que a partir de 1572 começaram a frequentar a Universidade de Coimbra. “A minha tese tem a ver com essas tradições luso-brasileiras” e este foi outro motivo porque retomou uma tradição que esteve suspensa durante dois séculos.

Senhora da Lapa

Ibsen Casas Noronha é um devoto da Senhora da Lapa, doutorou-se com Distinção e Louvor, por unanimidade, mas acrescenta que não adianta contar “apenas com o pedido sobrenatural. Tem de haver conhecimento”.

Segundo Ana Nunes, do Santuário de Nossa Senhora da Lapa, estão agendadas mais entregas de teses, de outras cores e de outras universidades, havendo assim a expetativa de se retomar um ritual que chega aos dias de hoje com a chamada “Queima das Fitas”, o uso que era dado ao que restava das fitas de cetim usadas na elaboração dos documentos académicos.

De certa forma, na recolha de informação efetuada por Ana Nunes, a Celebração de Graças que hoje tem lugar é o que está na origem da Queima das Fitas.
O sucesso da defesa da tese resultava em votos de agradecimento à Senhora Da Lapa. “O que as pessoas hoje escrevem nas fitas é uma evolução do que escreviam nas antigas teses que ofertavam à Senhora da Lapa.”

No Museu do Santuário da Senhora da Lapa encontramos teses muito antigas e a primeira que está referenciada é de 1626, curiosamente também de um doutoramento em Direito.

A origem e a envolvência do Santuário da Senhora da Lapa nestes rituais devem-se à influência jesuíta e à sua localização, a meio caminho entre Coimbra e Salamanca.
Em Coimbra, seguindo a narração de Ana Nunes, “era facultado aos estudantes um pedaço de seda para coserem as sebentas que posteriormente eram corrigidas por um professor ou lente. Essas sebentas estavam cosidas com cores. Se era amarelo era Medicina, vermelho era Direito…. são as cores que se mantêm ainda hoje nas licenciaturas mais antigas, clássicas.”

Muitos desses estudantes iam a Salamanca defender as teses em latim. “Com o último pedaço de seda que tinham, colocavam uma iluminura, um desenho em volta, e mandavam imprimir as teses. Chegavam aqui e pediam ao reitor que na hora X do dia Y colocassem aquelas teses como mantos na imagem de Nossa Senhora da Lapa para lhes dar força. Quando regressavam ofertavam a tese ao santuário.”

São alguns destes documentos, muitos com dimensão de 80 por 55 cm,  que podemos ver no Museu, “temos imensas. De quase todos os cursos. As únicas que temos em exposição, por limitação de espaço, são as de Medicina.”

O santuário é um dos mais antigos em Portugal, tem mais de 520 ano e a sua história remonta a uma lenda o que explica o enorme penedo que está dentro da igreja, rodeado de dois nichos dedicados a Nossa Senhora da Lapa.

Tem uma passagem estreita e só consegue passar quem não tem pecados.

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