O Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira, no Tramagal, é a história do filho de um barqueiro que, jovem, aprendeu a arte de ferreiro. A vontade e o engenho levaram-no a criar a maior metalúrgica ligeira em Portugal. A “mítica” Berliet é um dos melhores exemplos da qualidade da “borboleta”, o símbolo da metalúrgica.
Nos antigos escritórios da Metalúrgica Duarte Ferreira encontramos um filme de época, do século XX português. Um enredo complexo contado de forma simples e que oferece várias perspetivas.
A industrialização, instrumentos agrícolas, lagares, direitos sociais dos trabalhadores, guerra colonial e a história de um homem: Eduardo Duarte Ferreira.
Filho do barqueiro no Tejo, no concelho de Abrantes, aprendeu a arte de ferreiro, construiu a sua própria forja e também a maior metalúrgica ligeira em Portugal, que começou a corporizar no início do século XX.
Chegou a empregar mais de mil trabalhadores e os camiões Berliet-Tramagal foram um dos expoentes. No entanto, tudo acabou em 1995.
O museu retrata este percurso com ilustrações, algumas alfaias agrícolas, instrumentos de cozinha, maquinaria, um conjunto diverso de objetos que têm colada a borboleta, o símbolo da metalúrgica.
“Conta a história da que foi a maior metalúrgica ligeira em Portugal no século XX.
A história do seu fundador, Eduardo Duarte Ferreira. Desde a pequena forja até se tornar no portento nacional. Desde a área agrícola até aos míticos camiões Berliet-Tramagal. É isso que encontramos aqui. A história desse homem, que é inspiradora, e também de todos os que contribuíram para fazer esta fabrica.” A descrição é de Lígia Marques, museóloga do município de Abrantes.
Entramos num edifício amplo, mas rapidamente o nosso olhar concentra-se na fotografia de Eduardo Duarte Ferreira. A imagem do fundador partilha o espaço com retratos de muitos colaboradores. Vemos ainda o escritório da família, o cofre e vários instrumentos associados ao “escritório principal da fábrica.
É dos anos 20, 30, funcionava aqui o escritório principal, vendas, secção de desenho. Nós tentámos preservá-lo o mais possível.
Felizmente ainda há muita gente viva que trabalhou na metalúrgica, tendo em conta que ela se extinguiu em 1997 e pode vir aqui recordar-se do seu posto de trabalho ou de memórias que tenha do seu tempo de funcionário.”
Os antigos trabalhadores deram alguns objetos e contribuíram para o acervo do museu.
É o avivar de memórias que, para muitos, não é fácil devido ao encerramento conturbado em 1995.
“De certa forma cumprimos um dos objetivos que era fazer as pazes porque a fase final da fábrica não foi bonita. Não foi fácil. Hoje ainda há pessoas que não receberam as suas indemnizações. É uma história que não tem um fim muito bonito”.
Ainda havia feridas por sarar. “Foi isso que tentámos e penso que estamos a cumprir esse objetivo. Fizemos questão de não apontar apenas a parte positiva da fábrica, que foi maravilhosa, inspiradora, mas também de contar a parte má e dolorosa desta história. Se há trabalhadores, por serem mais velhos, se recordam da parte boa, aqueles que viveram a parte negativa também se reveem aqui.”
Mesmo para os visitantes que não tiveram esta relação umbilical com a metalúrgica, quem vem aqui encontra fios de novelos de histórias que se cruzam com muitas outras.
“Algum familiar viveu o mesmo noutra empresa ou alguns dos objetos que estão aqui relembram os da horta do avô. Há sempre uma ligação que toca às pessoas.
Por outro lado, temos aqui a cereja no topo do bolo que foi a produção nesta fabrica dos camiões Berliet-Tramagal. Marcaram a vida de milhares de jovens que, à época, combatiam na guerra do Ultramar e muitos deles vêm à procura dessa memória. Infelizmente não estão em exposição.”
Os camiões Berliet Tramagal eram montados aqui onde hoje o testemunho foi passado a fábricas como por exemplo a Mitsubishi Fuso. No entanto, os camiões Berliet, pelo uso militar, fazem parte do acervo de qualquer arquivo de imagens da guerra colonial.
A breve prazo podemos ver dois exemplares no Museu. “Temos um veículo militar e outro civil. No contexto deste edifício não é possível estarem em exposição, mas a curto prazo esperamos tê-los visíveis. Muitos antigos militares vêm cá à procura dos camiões e trazem as famílias. É uma memória que as pessoas têm presente.”
Com o fim da guerra colonial procuraram-se alternativas. Uma foi o jipe UMM, outra era um novo veículo que podia ter utilização militar e civil, mas não teve sequência.
Refira-se ainda que o filho do barqueiro aprendeu a arte de ferreiro em oficinas e percebeu a importância do conhecimento. Os filhos já estudaram em universidades europeias e dos Estados Unidos. Os relatos nas cartas, nos anos 20, revelam a informação transmitida para o pai e que contribuiu para a aplicação de muitas práticas pioneiras em Portugal ao nível da organização e de preocupações sociais.
“Foram pioneiros em áreas como gestão, controlo de qualidade e questões sociais. A primeira Caixa de Previdência com estatutos implementados foi a da Metalúrgica Duarte Ferreira. A Caixa foi registada nos anos 20 mas desde o inicio da fábrica que havia medidas para proteção de órfãos, viúvas e trabalhadores mais velhos.”
O Museu abriu as portas em 2017 e no ano seguinte foi distinguido com o prémio de Melhor Museu Português do Ano.
Fora de portas, a vila de Tramagal tem muitos outros registos da atividade da metalúrgica. Bairros, campo de futebol, instalações sociais e blocos fabris revelam a borboleta e o legado de Duarte Ferreira.Há ainda, como se fosse uma extensão do museu, o memorial A Forja, que reconstitui a forja original de Eduardo Duarte Ferreira e o Miradouro da Penha, da autoria do arquiteto Keil do Amaral.
O voo da borboleta no Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.