Hoje é dia de S. Brás e em Vila Real os homens oferecem a bengala, ou gancha, às mulheres. No mês passado, a 13 de Dezembro, no dia de Santa Luzia, receberam das mulheres o pito, hoje retribuem com a gancha.
Através da doçaria entramos no universo namoradeiro.
Como diz Rosa Maria, mestre em Antropologia Cultural, o pito e a gancha “são doces associados à doçaria popular, regional. São de romarias e simbolizam os doces namoradeiros. Numa dada altura a mulher oferece ao homem depois é o inverso, o homem oferece à mulher.”
Rosa Maria é proprietária da Casa Lapão, em Vila Real, que deu continuidade à produção de pitos e das ganchas há mais de um século.
É também mestre em Antropologia Cultural com um tema sobre a doçaria popular e sua relação com o património cultural, como são exemplo o pito e a gancha. “Há quem ligue estes doces a cultos de fertilidade e daí os nomes de Pito de Santa Luzia e Gancha de S. Brás.
A gancha imita o falo masculino e o cajado de S. Brás. Aparece no dia das candeias, ligado a outro solstício. Muitas vezes, o pito é associado ao solstício de Inverno, no dia 15 de Dezembro, e a gancha à Primavera.”
A romaria realiza-se no dia 2 e estende-se até ao dia seguinte. Reúne muita gente, próximo do cemitério de São Dinis, em Vila Real.
“A gancha de S. Brás parece em 2 de Fevereiro numa romaria ligada a S. Brás e conta a lenda que o filho de uma mulher se engasgou com uma espinha e ela prometeu a S. Brás que, se lhe salvasse o filho, prometia-lhe um doce. Aparece então a bengala que não é mais do que açúcar e água. Ao longo de mais de um século, aqui em Vila Real, próximo do cemitério, há uma capelinha ligada a S. Brás e as pessoas dessa zona, a comunidade local, resolveu ganhar dinheiro através da gancha de S. Brás.”
No entanto, por exemplo em Vila Nova, com os pitos, a produção foi interrompida e “quem deu continuidade a estes doces foram as pastelarias locais. No fundo, foram as comunidades urbanas que evitaram o esquecimento destes doces.”
A gancha é feita à base de açúcar e água, um caramelo com a forma de uma bengala. “A parte debaixo é embrulhada em papel para se segurar. O doce é produzido apenas nesta altura do ano e vendem-se centenas de ganchas.”
E a procura não é apenas de namorados. “Homens de todas as idades. Mulheres também. Está muito enraizado o culto dessas tradições em Vil Real”.
A retribuição do presente, com a gancha, fica registado em quadras cuja cantilena está quase sempre a ser tocada no sino da capela: “Eu vou ao S. Brás / de cu para trás/ buscar uma gancha para o meu rapaz. Eu vou ao São Brás/ de cu para a frente / buscar uma gancha / para a minha gente. Eu vou ao São Brás / de cu para o lado/ buscar uma gancha / para o meu namorado “e o sino constantemente a tocar. É a capela mais antiga de Vila Real. Do século XI. Está mesmo dentro do cemitério, que, nessa altura, se abre para receber as pessoas” e muitas vão tocar o sino.
Há ainda outros casos da doçaria popular associada à sexualidade muito conhecidos. São os casos do falo de S. Gonçalo, em Amarante e a passarinha em Guimarães.
Deste-me o pito, retribuo com a gancha faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.