Caneiras fica a sul de Santarém, à beira rio. Do Tejo já recebeu abraços diluvianos. Uma das cheias obrigou à reconstrução do casario, há cerca de 80 anos, no atual núcleo urbano. No entanto, guarda ainda a memória de aldeia avieira.  Entre as cerca de de meia centena de casas algumas ainda são palafitas com estacas de betão ou tijolo.

São praticamente duas ruas paralelas ao rio. Uma delas, a rua dos Avieiros, termina num pequeno cais, usado também por pescadores de pesca à vara.

Um deles referiu-me que são muito enganadores os bancos de areia no rio. Mesmo alguns que estão próximo das margens estão rodeados de poços profundos e para nadar é preciso conhecer bem o rio.

Ao longe vi uma bateira, o barco tradicional avieiro a entrar no rio. Seguindo também a tradição. A mulher remava e o homem seguia na proa.

A diferença em relação ao passado é que quando a bateira entrou em águas mais profundas o barco passou a ser movido por um motor. Um sinal de mudança em comparação com as memórias de Lúcia que nasceu em Caneiras há 69 anos.

“Sim, mudou para melhor. Antigamente Caneiras era quatro casas aqui, outras mais abaixo… Eram só pescadores. Agora não. Também vão à pesca, mas há muita gente a trabalhar na cidade e os filhos já têm outros cursos que não tinham antigamente.”

Ainda nas palavras de Lúcia, as condições de vida atuais nada têm a ver com o passado não muito longínquo. Ela conhece bem esta realidade porque a sua família esteve ligada à pesca. “Sempre. Os meus avós, os meus pais e eu também pesco. Andei sempre com os meus pais.  Dentro do barco. Eu e os meus irmãos. Agora também pesco. Sempre que posso vou lá. Eu tenho aqui um restaurante a apanho para o restaurante.”

A mudança também se verifica na construção. Muitas casas estão a ser renovadas. A construção é em tijolo e a cobertura em tábua corrida na vertical, assemelhando-se às casas tradicionais avieiras.

Uma ou outra habitação, na zona ribeirinha, rompe com a arquitetura avieira, como é o caso da igreja.
Quase todas as casas à beira rio têm um terraço virado para o Tejo. Um ambiente muito calmo.
É numa destas casas o restaurante o Telheiro da Lúcia que ela abastece com o peixe que pesca no rio.
O restaurante tem vista para o Tejo e, como está escrito no cartão que me deu, por marcação prévia, servem gastronomia tradicional da borda d’água. O prato pelo qual tem grande reputação é fataça. “Fataça na telha. É feito numa telha e vai ao forno. Antigamente quem fazia a fataça na telha era a minha mãe, Júlia Mendes Maçaroca. Fazia-se uma fogueira, colocava-se a fataça dentro da telha e assava nas brasas.”

Caneiras conseguiu há cinco anos a inscrição, com salvaguarda urgente, das «Artes e saberes de construção e uso da bateira avieira no rio Tejo» no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.

Aldeia avieira de Caneiras entre o Tejo e Santarém faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

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