O Forte de Santa Luzia “é um dos melhores e mais genuínos exemplos da arte de fortificar europeia”, lê-se na promoção turística do município. O valor patrimonial fica registado, mas tem um valor acrescido se a visita for com o guia José Manuel Martins, conhecido em Elvas pelo “Zé Poeta”.
“Todos os monumentos de Elvas têm sangue de animais e as coisas estão de pé, com mais de 300 anos. Nós havemos de ir embora e isto vai continuar”.
É uma das curiosidades que, de forma apaixonada, José Manuel revela na visita quando nos incentiva a entrar no labirinto das galerias do Forte de Santa Luzia.
“Há cinco aberturas em redor do forte. Era o caminho para os militares irem desde as casamatas carregar os canhões sem terem de ir pelo exterior. Podia cair uma bomba. Badajoz fica a 15 km“.
Dos caminhos subterrâneos que chegavam até à cidade resta uma parte aberta ao público.
A galeria é estreita. O piso de terra é irregular e a cobertura está revestida com lajes de pedra, colocadas em “cunha” para dar sustentabilidade à construção.
Funcionam também como um interessante cenário para fotografia que José Manuel conhece bem e que, ele próprio, sugere aos visitantes a pose mais adequada e tira a fotografia.
É uma “técnica” para superar a eventual claustrofobia do viajante que, alguns metros após a entrada, deixa de ter luz natural.
Acresce o receio quando surge um cruzamento.
O ponto final é o paiol, circular e com cúpula de pedra. “Estava cheio de caixas e sacos com pólvora”.
É no paiol que José Manuel conta em detalhe os materiais que, na altura, eram utilizados na construção. “Usavam cal das paredes, o barro e resina de pinheiro, que funcionava como cola.
Nesses três materiais misturavam terra, pedra e sangue de animais. O sangue coagula depois de coalhado, fica uma pasta dura. Ninguém consegue destruir. Isto tem mais resistência dos que as nossas casas”
Na saída da galeria José Manuel foi ao encontro de outros visitantes que tinham uma visita guiada já marcada.
Fiquei a perder. A descoberta do forte é muito mais interessante acompanhado por quem sabe. Perdeu também encanto.
A exceção foi na capela de Santa Luzia quando nos cruzámos e ele explicava as interrogações sobre a origem do templo que tem planta retangular, pinturas na capela mor e, virado para Meca, um detalhe na parede.
Ao lado está a passagem para a enorme cisterna que permitia resistir a um cerco durante muito tempo.
A curiosidade regressou (mas já não havia guia) na Casa do Governador. Não tem a beleza da Casa do Governador do Forte da Graça. “A arquitetura é diferente. Este forte foi construído no período da restauração, em 1641, para defender a cidade.
Estamos a 600 metros de Elvas. Se os espanhóis conseguissem colocar aqui canhões bombardeavam a cidade. O Forte da Graça é pombalino, do século XVIII. Tem uma arquitetura diferente.
Elvas tinha três governadores. Dois militares, dos dois fortes, e um governador civil que era o da cidade. Os três tinham de estar de acordo para uma tomada de decisão relevante.”
Do ponto de vista arquitetónico a Casa do Governador do Forte de Santa Luzia fica aquém do Forte da Graça, mas a simplicidade da casa também lhe dá beleza.
O corredor em cruz grega, a lareira, o teto das salas em abóbada e as janelas nas paredes, orientadas para quatro pontos cardeais, antecipam a vista maior que se pode ter no terraço e lanterna.
A dúvida é como lá chegar. Como subir uma escadaria em que um degrau está numa parede e o degrau seguinte está na parede em frente.
No acesso à porta d’armas, nos revelins e nos terraços que acompanham o fosso temos vista para Elvas (a protegida) e para Badajoz (o perigo). Sinal do embate é o material bélico, como bolas de canhão colocadas em vários locais.
Hoje, o desejo é que esta travessia seja o mais fraterna possível e que, todos os dias, Elvas seja conquistada por turistas espanhóis.
O Forte de Santa Luzia foi construído em medos do século XVII durante as Guerras da Restauração.
Está classificado como Monumento Nacional e faz parte do conjunto de fortificações de Elvas classificado como Património Mundial.