O Café Calcinha está quase a fazer um século e localiza-se na Praça da República, um dos lugares centrais de Loulé. O café foi também o epicentro da sociedade louletana, inclusive do poeta António Aleixo que tem uma estátua no passeio em frente da porta do café.
O Café Calcinha foi inaugurado em 1929, com a designação de Café Central. Procurava imitar um outro café de influência brasileira. A decoração de madeira nas paredes ainda remete para o estilo desse tempo.
Outra influência é de Art Deco. Verifica-se em particular na fachada com colunas, porta metálica e de vidro e duas grandes vitrines com um friso metálico arqueado.
No interior vemos fotografias, um relógio de parede, o balcão ao fundo do salão que está preenchido com cadeiras e mesas de madeira com tampo de mármore.
Algumas são mais recentes. “Quando fui para lá só havia mesas com mármore junto às paredes. Eram onde jogavam aos dados e dominó. As outras mesas eram de fórmica. Na última remodelação mandei fazer todas iguais às que tinham tampo de mármore.”
A descrição é de Joaquim Prado que esteve a tomar conta do café quase 40 anos. De 1976 a 2015. “Foi o “velho Calcinha” que me convidou, mas tive de estar um mês à experiência para ver se gostava ou não.”
Já passava quase meio século de vida do café quando Joaquim Prado assumiu a gerência.
O ambiente e a rotina do café tinham passado por muitas mudanças. De dia o espaço era separado entre abastados remediados.
À noite eram todos boémios. Em 1976 a distinção social estava esbatida, mas permanecia a boémia. “Quando fui para lá o ambiente era muito pesado.
Ainda me lembro das primeiras duas senhoras que entraram. Durante a semana entravam até cerca das 6 da tarde. Ao domingo já não entravam.”
Uma das atividades ao domingo e durante a noite era o jogo a dinheiro. “Jogavam muito à batota. Tinha uma secção na parte de trás onde jogavam às cartas e era pesado. A primeira coisa que fiz foi acabar com o jogo das cartas.”
Curiosamente o posto da polícia era na traseira do café.
“O chefe da polícia chamou-me e disse que aquilo era muito duro. No entanto, se precisasse de ajuda eu sabia onde ele estava. Nos 40 anos que lá estive nunca chamei a policia, apesar de haver muitos conflitos. As pessoas respeitavam-me e eu dizia que se queriam confusões que fossem para a rua. Nunca tive problemas.”
Além de acabar com o jogo a dinheiro, também terminou com o bilhar que remontava à década de 30. “Foi o primeiro bilhar que veio para o Algarve. Também modifiquei várias vezes o balcão. Uma delas foi em U, com bancos em volta, tipo cervejaria.”
A cor creme que pinta as paredes vem também do tempo de Joaquim Prado e ilustra o ambiente que se vivia no interior do café. Antes, a cor era branca, mas decidiu mudar logo ao fim de um ano. “No primeiro ano ainda pintei de branco.
Nos anos seguintes pintei de creme que era a cor do tabaco. Fumava-se muito no interior, era uma fornalha. Nos dias de Inverno, com a porta fechada, quase que não se via lá dentro.”
Por razões de manutenção do prédio Joaquim Prado mudou para outro estabelecimento em Loulé, o Bom Petisco.
Recentemente regressou ao espaço que foi quase a sua casa aproximadamente 40 anos e não conteve a emoção. “Com lágrimas nos olhos. Fui para lá com 19 anos!”
A popularidade de um café também se mede pelas alcunhas. O Calcinha foi também designado de Carioca e Louletano.
A alcunha de calcinhas dos filhos do primeiro proprietário ficou registada para a posterioridade. Mais efémera foi a alcunha de Coliseu.
“Toda a pessoa que ia a Loulé tinha de ir ao café. Aparecia gente de todas as qualidades. Bêbados.. tudo. Apareciam ali e por isso deram a alcunha de O Coliseu.”
Para preservar o prédio e a memória do café Calcinha, a Câmara Municipal adquiriu o edifício em 2014 e dois anos antes tinha-o classificado como Imóvel de Interesse Municipal. Recentemente voltou a abrir as portas e uma das apostas é programação de âmbito social e cultural.
O emblemático Café Calcinha de Loulé faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.