Santar é uma vila cheia de solares. Foi as Cortes da Beira, terra de gente rica e produtora de vinhos de excelente qualidade. São vários atributos que servem para explicar como esta pequena vila do concelho de Nelas tem um património fabuloso. Solares, jardins barrocos, cruzeiros, fontanários, igrejas que remontam ao século X, são inúmeros os testemunhos de prosperidade ao longo de séculos. Como pormenoriza uma senhora de idade, “é tudo rico. Mesmo ali no caminho do Roldão, ou Vale do Chão, é tudo rico. Roubaram tudo aos pobres que não tem nada. (risos) Há casas senhoriais em várias ruas. É tudo rico, tudo bonito.” No entanto, a riqueza vai-se esfumando, “a aldeia agora está mais abandonada. Isto era muito lindo.”
A conversa foi com duas irmãs que vivem em frente de uma casa solarenga, que terá sido afortunado pela decoração de interiores, mas, agora, vive o sofrimento do abandono. “Aqui chama-se a rua do Soito, da Casa do Soito. Dr Manuel Reis. Ali a placa é dos pais deles. Estiveram em Viseu e mandavam nas Finanças. Foi ele que pôs ali. Isto era uma casa linda. Os donos eram os mesmo do Paço dos Cunhas. Compraram, depois venderam, tiraram algumas coisas… Tinha uma sala de armas. Fizeram aqui a novel Senhora das Águas. (Foi transmitida pela RTP em 2001 e parte do trama passa-se em Santar). Era uma casa que era um sonho. Faziam casamentos, com fogo de lágrimas, música… Para quem tinha dinheiro.”
Em sinal contrário, encontramos pelo meio das ruas estreitas da zona histórica de Santar outros solares que foram recuperados e ostentam, muitos deles, decoração de estilo barroco. É o caso do enorme Paço dos Cunhas, a Casa das Fidalgas, que pertence aos duques de Bragança, a enorme propriedade com um jardim cuidado do solar dos condes de Santar e o solar de Nossa Senhora da Piedade, cuja capela estava a ser restaurada. Ficamos a saber mais alguns pormenores com a conversa de rua: “uns senhores compraram esta casa que era do menino Pedro. Tem uma capela que é da Senhora da Piedade. Até estão a restaurar os quadros. Foi comprada por um português que está na China”.
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Diz o historiador João Ferreira Fonseca que os solares que hoje vemos são apenas uma pequena parte dos que existiam. “Algumas foram decaindo ou desapareceram, da mesma forma que existia uma grande torre medieval da família dos Soares de Albergaria. Os solares que hoje temos são os mais recentes. Uns muito degradados, outros bem conservados porque, ou foram constituídos como unidade de hotelaria, O Paço dos Cunha de Santar é um bom exemplo, outros porque ainda são habitados por famílias.”
Na opinião do historiador há dois motivos que ao longo de séculos fizeram com que a nobreza desse preferência a Santar: “tem uma concentração enorme de solares porque teve na sua história duas situações que a tonou muito disputada e muito retalhada pela nobreza.
O primeiro fator tem a ver com a fertilidade da terra. Santar é uma terra muito fértil. É provavelmente o lugar onde nascem os vinhos do Dão. Nos finais do século XIX e princípios do século XX, os vinhos desta região eram conhecidos como os vinhos de Santar. Era o mesmo nome que se dava aos vinhos de qualidade que vinham da Beira, mesmo que fossem de outros lugares. Santar tem, assim, a vantagem da terra, dos seus vinhos que é imemorável. Há várias lagaretas específicas para a produção de vinho escavadas na rocha. São monumentos que datam do século décimo e anteriores. Há também referências documentais a partir do século XI. Sabemos ainda que em meados do século XIII existiam imensas propriedades de famílias nobres que retalhavam os terrenos porque lhes interessava ter o máximo de terra produtiva na sua posse. Há uma família que se destaca, os Cunhas, os senhores da grande Casa de Santar. Porque optaram pela Espanha, quando da Restauração fugiram para o país vizinho. Todas as propriedades dos Cunhas foram integradas numa entidade entretanto criada para gerir os terrenos, a Casa da Infanta. No século XVIII há uma espécie de devolução dessas propriedades aos Cunhas mas, entretanto, há doações a outras famílias nobres. Constituem-se, deste modo, vários núcleos senhoriais. Cada um destes núcleos trouxe o aparecimento de um solar, uma casa solarenga.”
A fertilidade da terra propiciou a produção de muitas culturas mas é a vinha que até aos dias de hoje permanece como a principal fonte de rendimento. É rapidamente percetível mesmo ao lado de alguns destes solares, nas quintas que têm muita vinha.
Para quem deseje um passeio mais prolongado há visitas a adegas e o circuito de Santar Vila Jardim que junta nove jardins de solares.
A vindima nos solares dos “ricos” de Santar faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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