São Xisto é um encanto. Pela beleza natural, pela obra hercúlea do homem na decoração das montanhas com a vinha e também por ser um recanto junto ao rio Douro.
A aldeia de xisto, o rio e a vinha. São a “Santíssima Trindade” do Douro, os elementos que dão corpo a uma das mais notáveis obras do homem em Portugal.
Na outra margem do rio vemos montes rochosos, fragas enormes de granito. É um lugar inóspito, selvagem. Sem ninguém. Só natureza.
Na margem sul, onde termina a rua que define o traçado da aldeia de São Xisto, pequenas casas de xisto, quase todas recuperadas, surpreendem os visitantes.
Mais ainda, quando algumas varandas se estendem para paisagens que abrem as janelas para o rio Douro.
Quase todas as casas têm um nome, referente à função ou ao proprietário. A Casa do Moleiro, Casa do Pé Leve, Casa da Raposa….
As paredes das habitações e a rua renascem com as cores vivas das flores que abundam.
“As casas são todas feitas de xisto. Aqui temos a transição do xisto com o granito. O granito está do outro lado do rio e o xisto da parte de cá. Ali é mais oliveiras e aqui é amendoeira e vinha.”, diz-nos Samuel Sequeira que passa uma temporada em São Xisto. Samuel e a mulher foram os únicos residentes que vimos numa tarde soalheira.
A casa de Samuel Sequeira tem quase um século, foi recuperada e a designação afixada na parede é referente ao seu nome. “A casa de Samuel”. É uma das últimas, próximo do rio e do mirante onde está a estátua do Anjo Arrependido. “Nasci aqui, estou em Matosinhos. Era ferroviário, organizei lá a minha vida. Tenho filhos, netos…e tenho aqui a minha casinha. Venho visitar São Xisto de vez em quando.”
Samuel Sequeira passa algumas temporadas em São Xisto, tal como a quase totalidade dos donos das casas. Um ambiente bem diferente da altura em que nasceu aqui. “Nessa altura havia muita gente. Todas as casinhas que aí vê, estava tudo ocupado. Uns morreram, outros foram embora. As condições de vida não são as melhores. Isto aqui não tem mais nada. Só as vistas. De resto não há nada. Não há fábricas. Era só a agricultura que passou a ser mecanizada.”
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Há muita gente que vem para aqui e que aluga ou compra casa por causa da vista e “do sossego. O sossego aqui é tudo. Quase que não há carros. Poluição também não há, não há fábricas. Isto é do que há de mais puro. Esta é uma quinta, a de São Xisto. É muito bonita. Temos ali uma estátua que é o Anjo Arrependido. Passa o comboio, os barcos, é bom.”
Enquanto a conversa decorria, passou o comboio e o carteiro. Só. O silêncio prolonga-se pelos vales e por encostas onde se andou a fazer desenhos geométricos com o traço da vinha.
“A arquitetura, de certa maneira, andou ali. Com um desenhador, desenharam a vinha.” Uma novidade em comparação com algumas décadas atrás e que se stende a outras práticas. “Não era assim, não. Levou uma evolução muito grande. As pessoas aqui trabalhavam muito na vinha nos olivais e amendoais.
O trabalho era sazonal. Tudo tem a sua época. A amendoeira, depois a azeitona, no inverno e o vinho que era o mais árduo. As uvas eram transportada em cestos para os lagares que estão a meio da subida da aldeia. As encostas são grandes. O trabalho era árduo e juntava-se o calor de Setembro.”
“No Portugal telúrico não conheço outro drama assim, feito de carne e sangue. (…)Não há maior ofensa à dignidade humana do que ir de Cadillac a uma vindima do rio Torto, fotografá-la e descrevê-la depois num chá das cinco ou num jornal da tarde. O Doiro dos barcos rabelos de calendário e dos socalcos fotogénicos, o Doiro dos cartazes comerciais e dos lordes em climatério, é uma mentira. O verdadeiro Doiro, rio e região, é a ferida do lado de Portugal”.
Texto de Miguel Torga redigido em 1950, referencia de Portugal, o Sabor da Terra; José Mattoso, Suzanne Daveau, Duarte Belo
Os lagares de vinho em granito foram recuperados e estão a meio do declive da aldeia. Como também a fonte e a capela de São Xisto que, por ser tão pequenina, me levou a pensar que, apesar da aldeia ter o nome de um Papa, eram muito poucos os fiéis. Mas, Samuel Sequeira esclareceu a minha dúvida: “não é esse o motivo. A capela não é do povo, é privada. É do dono desta quinta. A igreja onde a gente ia todos os domingos à missa é em Vale de Figueira.
A sede da Freguesia está muito próxima e consegue-se ver de São Xisto. Ficam a cerca de 12 km de São João da Pesqueira, a sede de concelho.
O roteiro em São Xisto termina com a passagem ao lado da “nova” ponte ferroviária de (inaugurada em 1980) e um passeio até Ferradosa.
Ao longo do caminho temos várias perspetivas do rio Douro, vemos os miradouros de Santa Bárbara (em vale de Figueira) e de S. Salvador do Mundo, e a antiga estação de caminhos de ferro que foi adaptada a restaurante. Mesmo ao lado do rio. O antigo cais fluvial renasce no verão com cruzeiros.
São Xisto, o rio e a vinha: a irmandade do Douro faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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