Há dois lugares onde podemos ver o rosto do maior espião português. Um deles é no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.
É um dos notáveis dos Descobrimentos, mesmo ao lado da Bandeira da Ordem de Cristo e sétimo no alinhamento atrás do Infante D. Henrique.
O outro lugar é onde se atribui ser a sua terra natal, a Covilhã, e que lhe ofereceu o apelido.
Em frente do município, na praça principal, ergue-se uma estátua ao lado de um mapa desenhado no chão que marca a viagem ao Oriente e que lhe permitiu ser o primeiro português a pisar terras da ambicionada India.
Debaixo do braço tem um documento. Está enrolado. É o relato da missão secreta.
No interior dos Paços do Concelho temos outra estátua de Pêro da Covilhã o que reforça o laço com o explorador português que terá nascido aqui por volta de 1450. É uma relação marcante, mas breve. Talvez Pêro da Covilhã pertencesse a uma família de cristão novos cuja comunidade dominava várias áreas de saber, designadamente cosmografia.
No entanto, aos 18 anos, Pêro da Covilhã deixa a sua terra natal e nunca mais regressa.
“Foi um homem que sendo da Covilhã foi muito cedo para Sevilha. Foi educado na Medina-Sidonia e obteve muitos conhecimentos. Sabia falar árabe”. O retrato é da autoria de Elisa Pinheira, investigadora de história contemporânea da Universidade Nova e antiga diretora do Museu de Lanifícios da Covilhã.
É devido a estes atributos que Pêro da Covilhã é escolhido pelo rei D. João II. “O rei estava rodeado de cosmógrafos, alguns da Covilhã ou com ligações familiares à Covilhã. Devemos ter em conta que toda a Segunda Dinastia, desde D. João I até D. Sebastião, os físicos e os astrólogos da corte são da Covilhã ou têm relacionamentos familiares com covilhanenses.
É este ambiente que é gerador de homens como Pêro da Covilhã, que saem da então vila e têm uma vida pública muito ligada à expansão.”
Seguindo a cronologia iniciada por Elisa Pinheira, com 24 anos de idade Pêro da Covilhã vai para a corte de Lisboa e participa em batalhas e missões diplomáticas por indicação de D. Afonso V que ambicionava também ser rei de Castela.
Com D. João II tem a primeira missão de espionagem. Vai para Castela saber o que andavam a fazer nobres portugueses que fugiram por alegadamente estarem envolvidos numa tentativa de deposição de D. João II. Mais tarde o mesmo monarca atribui-lhe uma missão diplomática no Norte de África. É, no entanto, em 1487 que começa a grande viagem ao Oriente.
A missão foi longamente preparada e em sigilo para evitar a concorrência astuta do reino vizinho que levou um pouco mais tarde o Mundo a ser dividido em duas partes, entre portugueses e espanhóis, no Tratado de Tordesilhas. Por isso, um dos objetivos era recolher informação sobre as rotas comerciais das especiarias e preparar o caminho marítimo para a Índia contornando o continente africano. O outro objetivo era chegar ao grande e rico reino cristão de Prestes João que corresponde ao que hoje é a Etiópia mas que na altura não passava de uma lenda.
Os dois objetivos foram cumpridos. O que, como salienta Elisa Pinheiro, revela a escolha acertada de D. João II – “era um aventureiro, habituado a viver fora e muito vivido”. Juntam-se outras competências que, conforme diz Elisa Pinheiro recebe do rei uma missão “importantíssima. Juntamente com outro homem da beira Interior, Afonso Paiva, de Castelo Branco”.
Não foi por mero acaso. Esta circunstância deve-se também às relações que mantinham com outros homens de ciência, alguns cristãos novos da Covilhã.
Nesta missão estiveram envolvidos outros dois judeus que foram ao seu encontro na cidade do Cairo para recolherem a informação pretendida. Foram eles que regressaram a Lisboa porque Pêro da Covilhã foi para a Etiópia onde ficou para sempre. Um dos últimos contatos com portugueses faz agora 500 anos, foi o padre Francisco Álvares que o viu casado e com vários filhos. É este padre que vai contar as aventuras de Pêro da Covilhã na obra Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias.
Recentemente estive na Etiópia e num mosteiro em Bahir Dar ouvi um jovem a contar com alguma emoção as relações entre a Etiópia e Portugal e o nosso contributo para a salvaguarda identitária e religiosa da Etiópia.
A poucos quilómetros, chamam a Ponte Portuguesa a uma travessia sobre o rio Nilo, pouco depois da nascente. É em arco e a técnica foi levada para a Etiópia pelos portugueses. Uma outra experiência foi-me narrada na Covilhã por Cristiana Gonçalves. Nasceu na Cidade da Beira e lembra-se de uma lenda contada pela mãe que explicava porque uma árvore muito grande estava quase no meio da estrada a dificultar o trânsito, com vista para o Índico.
“Era intocável porque teria sido a árvore onde o Pêro da Covilhã e os outros membros da comitiva amarraram os cavalos e camelos quando chegaram. Era um símbolo histórico de Sofala.” Cerca de 40 anos depois foi viver na terra natal de Pêro da Covilhã.
Pêro da Covilhã esteve no porto de Sofala em 1490 e sete anos depois Vasco da Gama atravessou o Cabo da Boa Esperança seguindo os lugares mais relevantes da rota comercial registados por Pêro da Covilhã.
Pêro da Covilhã – o rosto o maior espião português faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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