Ao passar a cortina e entrar na primeira galeria onde estão expostas as marionetas e as máscaras somos projetados para uma casa de histórias. Enredos que cada marioneta nos quer contar, significados do que ela representa e o impulso da nossa imaginação que lhe quer dar vida. O ambiente a meia luz favorece o nosso encontro com cada uma das marionetas, que são muitas, e bem diferentes.
São “de praticamente todo o Mundo. É a grande diferença deste museu em Portugal é ser transversal e abrangente”, diz Maria José Machado. A diretora do Museu da Marioneta acrescenta que “outros museus, como o do Porto – que é também muito interessante – é um museu de companhia. Tem as marionetas que eram da companhia.
No nosso caso, temos marionetas de todo o Mundo. Temos uma forte componente do sudoeste asiático, uma ótima coleção da Europa, do Mali e uma boa representação das marionetas portuguesas.”
Em exposição está apenas uma parte do espólio porque não têm espaço suficiente para mostrar todas as marionetas e máscaras, apesar do edifício ser grande, o Convento das Bernardas, no bairro da Madragoa, em Lisboa. E, neste aspeto, há alguma ironia na história.
O edifício foi construído para recolhimento das freiras do mundo profano. A extinção das ordens religiosas em 1834 colocou um ponto final no convento e em 2001 o edifício foi invadido por marionetas, máscaras e histórias que, por vezes, entram no espaço da transgressão.
A utilização das marionetas é muito abrangente. “Na Ásia a utilização do teatro de marionetas é muito distinta do Ocidente. Também é lúdica, mas não é só lúdica como no Ocidente. Essas diferenças culturais e geográficas estão muito representadas nas próprias peças.
São completamente diferentes. Por exemplo, nas do Mali é muito difícil dizer onde acaba o teatro de marionetas e começa um estudo antropológico. Depois temos as marionetas europeias que são mais próximas do nosso imaginário do que é uma marioneta e não tem uma representação tão diversa como as do sudoeste asiático.”
Há marionetas e máscaras de grande beleza, perfeição no detalhe e que nos surpreendem pela sua criatividade.
Maria José Machado testemunha essa reação por parte dos visitantes: “creio que a impressão com que as pessoas ficam quando aqui chegam é, em primeiro lugar, de espanto pela diversidade de marionetas e máscaras que temos.
Também devido à qualidade dessas peças. Muitas vezes as pessoas acham que são produzidas com “meia bola e força” e, de facto, não é verdade. É uma área de teatro que tem muita valorização, muitas áreas envolvidas e que aqui é patente.
Na Birmânia, por exemplo, no final do século XIX, início do século XX, havia um ministério para o teatro de marionetas. Não é uma cultura popular da mesma forma como a entendemos na Europa”
A visita exige que seja demorada e atenta. Porque são muitos os detalhes. A arte tem várias expressões. Vemos marionetas e máscaras antigas e também contemporâneas.
O mesmo sucede com algumas formas de expressão popular, como é o caso em Portugal dos bonecos D. Roberto. Este tipo de teatro esteve quase extinto, há cerca de duas décadas, e nos últimos anos revitalizou-se através das companhias de marionetas.
“Já se perdeu a característica que fez com que o teatro D. Roberto chegasse até nós. Era a itinerância. Por outro lado, não havia textos escritos o que lhes permitia, por exemplo, fugir à censura. Podiam representar em qualquer lado, nas praias, feiras, etc. O último dos bonecreiros portugueses tradicionais e populares foi António Dias. Felizmente transmitiu a sua arte ao João Paulo Seara Cardoso, o fundador do Teatro de Marionetas do Porto e ele, por sua vez, difundiu o teatro D. Roberto.
Em 2011 fizemos a nossa primeira maratona de D. Robertos e eram sete bonecreiros. Agora já há 15”.
Maria José Machado tem ainda a expectativa de que em breve o teatro D. Roberto seja inscrito na lista nacional de Património Imaterial. “Quando se atingir este objetivo vai dar uma nova força ao teatro D. Roberto.”
Conheci pessoas que tentaram fazer D. Roberto mas não é fácil. O uso da palheta, colocada no interior da boca, para dar voz aos bonecos, é uma das maiores dificuldades. Maria José Machado diz que “do ponto de vista técnico e físico é muito violento. Se estivermos atentos, e verificarmos como se processa o teatro dentro da barraquinha, percebemos que é de facto muito violento e não é fácil de fazer bem.”
O Museu da Marioneta organiza a Maratona de D. Robertos que é uma excelente oportunidade para vermos um tipo de teatro andarilho. O Museu tem também outras valências, uma agenda cheia de espetáculos e exposições. Por exemplo, agora em Janeiro tem em cena Discursos, de LaFontana e Em Branco, de Marina Nabais.
Há ainda atividades nas Oficinas dos Serviço Educativo que é dirigido às escolas, mas também a quem pretende iniciar-se no universo do teatro das marionetas e outras formas animadas.
Como refere a diretora do Museu, “o essencial da formação é realizado pelo Serviço Educativo e aí centramo-nos mais na construção e na manipulação das marionetas. Depois, por vezes, temos outros formadores externos para outro tipo de áreas. São exemplo, expressão corporal, movimento, cinema de animação.”
Ainda na opinião de Maria José Machado, as oficinas são um bom ponto de partida para quem se quiser iniciar nestas artes. “Eu creio que por ser uma formação, básica, inicial, é por aí que, de facto, se deve começar. Nós temos formação dirigida a diferentes graus de ensino e também ao público adulto, fora das instituições de ensino. Por isso, qualquer pessoa poderá iniciar-se nesta área. A formação não chega, é apenas o ponto de partida”.
Museu da Marioneta e de todo o mundo faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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