A exuberante capela de São João Batista, na igreja de S. Roque, em Lisboa, é uma obra prima da arte italiana. Mesmo em Itália não tem paralelo.
Foi encomendada pelo rei D. João V, sagrada em Roma pelo Papa Bento XIV, e é um dos tesouros nacionais que podemos contemplar.
É deslumbrante. Pela sua beleza, pelo detalhe, pelo conjunto onde domina o dourado e o azul. Tem um quadro no centro.
O Batismo de Cristo e duas outras representações nas paredes laterais, Pentecostes e a Anunciação.
No entanto, se repararmos com atenção, verificamos que não são pinturas. O mesmo sucede com o desenho da esfera armilar no piso.
Parecem pinturas, mas são mosaicos com tesselas muito pequenas. Inspiram-se no modelo dos romanos.
“Há uma razão para isso. Foi nessa altura que se descobriu Pompeia e como as pessoas viram que os mosaicos tinham durado tantos anos quiseram repetir o processo.
Na verdade, a razão porque sobreviveram ao longo de tanto tempo deve-se às cinzas vulcânicas.”
A explicação é de Gonçalo Amaro, investigador e membro da Direção de Cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
É um profundo conhecedor da obra e, por outro lado, rapidamente percebemos como é relevante termos uma visita guiada.
A capela de São João Batista foi encomendada por D. João V, em 1740, a arquitetos italianos, reputados artistas promotores do Barroco, uma corrente artística que na altura influenciava vários países europeus, nomeadamente Portugal.
A qualidade do trabalho, a riqueza da ourivesaria e dos materiais, como por exemplo bronze dourado, semipreciosas ou mármores, tipo lápis-lazúli, ágata verde antigo e jade, revelam o primor das escolhas.
Não admira, assim, que na opinião de Gonçalo Amaro, das oito capelas laterias da igreja de S. Roque, a de São João Batista é a que mais se destaca.
“É a mais chamativa porque é diferente. Quando olhamos para o Barroco nacional o que sobressai é a talha dourada. É um elemento fácil de trabalhar. É madeira, coberta com gesso e uma fina folha de ouro.
A capela de S. João Batista é de um Barroco tardio e praticamente não tem madeira. Temos pedra, semipreciosas e metal. Estes materiais trazem outro brilho que a madeira tenta imitar. É por isso que a madeira tem a talha dourada, para imitar o brilho do metal e das pedras.”
D. João V, que impulsionou vários projetos relacionados com as artes e o conhecimento, como por exemplo a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra e a Biblioteca e Convento de Mafra, também procurou manifestar fora de Portugal o poder da Coroa.
A encomenda da capela de São João Batista foi um exemplo. A obra levou cinco anos a ser executada, entre 1742 e 1747 e foi montada em Roma, sagrada pelo Papa Bento XIV, com uma missa papal.
“O interessante desta capela, para além do chamativo e de ser, provavelmente o único representante deste barroco tardio italiano, (teríamos outra no Patriarcal, mas foi destruída pelo terramoto de 1755) é que ela veio para Portugal peça por peça.
Antes de ser instalada nesta igreja, esteve montada em Itália, na igreja de Santo António dos Portugueses e praticamente com a mesma forma. Isto leva-nos a pensar que esta capela, para além da sua beleza artística, tinha uma outra mensagem: o rei quis que esta capela fosse mostrada em Itália. Pela sua beleza e por ter na sua construção artistas de renome na altura. As duas pessoas que conceberam a capela, Nicola Salvi e Luigi Vanviteli, são dois nomes emblemáticos da época. Nicola Salvi faz a Fontana di Trevi, em Roma, e Luigi Vanviteli faz o Reggia di Caserta (palácio barroco em Caserta). Não eram nomes quaisquer.
Esta capela, depois de mostrada em Itália, vem para Portugal, peça a peça. Começa em 1747 e acaba de ser montada totalmente em 1751. Na verdade, o rei D. João V nunca a viu completa porque morreu em 1750.”
Cada uma das oito capelas da igreja de S. Roque pertencem a uma irmandade ou congregação, com exceção da de São João Batista que é a última do lado esquerdo da nave central.
Normalmente a capela estava fechada com uma cortina. Era apenas aberta quando da presença da família real.
“Quando a igreja de S. Roque passa para propriedade da Misericórdia, em 1768, a capela mantém-se ainda na posse da família real.
Só nos finais do século XIX, numa época de crise, é que o rei cede a capela de S. João Baptista à Misericórdia por não ter condições para a manter.”
A igreja e a Casa Professa, onde funciona agora o Museu, eram pertença dos jesuítas que montaram aqui a sua sede, na segunda metade do século XVI. É por este motivo que encontramos motivos alusivos aos jesuítas, como por exemplo, pinturas sobre a vida de Santo Inácio de Loyola, fundador da Ordem.
Um dos lugares também muito interessante onde a referência é quase total aos jesuítas é na sacristia. O teto é em caixotões com decoração sobre Virgem Maria.
Todo o resto, a enorme coleção de quadros que cobre as paredes, é sobre os jesuítas, com particular destaque para S. Francisco de Xavier.
Uma outra particularidade da igreja é ser marcada por vários estilos do Barroco.
Na opinião de Gonçalo Amaro “a igreja de S. Roque tem essa capacidade de ser, provavelmente, o maior expoente para estudar o Barroco em Portugal. Nós temos numa capela o protobarroco, um barroco inicial, com uma pintura com um estilo de reminiscência de Caravaggio, até aos pequenos anjos e depois o barroco pleno, por exemplo noutra capela, onde se tem um horror ao vazio. Está tudo preenchido.
Temos sobretudo esta sensação de movimento. Temos de ter em atenção que, na altura, as igrejas eram iluminadas com velas que dão uma luz que cria uma ideia de movimento possível de percecionar-se através deste estilo artísticos. Folhas de acanto que se contorcem, as colunas com curvas e contracurvas. No entendimento da época isto era uma forma de chamar as pessoas e cativá-las, dar-lhes uma ideia positiva da ascensão aos céus.”
A igreja começou a ser construída em 1565, no tempo de D João II, e foi entregue à Companhia de Jesus. O modelo foi exportado para outros lugares com presença jesuíta no Brasil e na Ásia.
A igreja de S. Roque foi ao longo do tempo sofrendo alterações. Um pouco ao sabor dos gostos e da mentalidade das irmandades que tinham a seu cargo algumas capelas.
Neste aspeto, a igreja de S. Roque é também uma mostra da evolução da cidade de Lisboa.
O Bairro Alto, com casas e palácios dos nobres e abastados, que rodeavam o Largo da Misericórdia, cerca de dois séculos antes, era um lugar aberto, pouco urbanizado e fora das muralhas.
Onde hoje está a igreja, foi anteriormente construída uma ermida dedicada a S. Roque. Estaria aqui uma relíquia de S. Roque para proteger a cidade da peste.
De certa forma, a partir da relíquia de S. Roque, a igreja acabou por um ter um vasto repositório de relíquias. As masculinas estão num nicho do lado esquerdo da capela mor e as femininas do lado direito.
Da proteção divina à afirmação da coroa, a igreja sobreviveu a vários terramotos. Abalos físicos, políticos e religiosos e, aspeto não menos importante, salvaguardou o seu riquíssimo património. Hoje é um dos lugares de visita da cidade. A igreja e o Museu estão referidos como lugares de visita obrigatória para quem quer conhecer arte portuguesa nos períodos áureos dos Descobrimentos.
A igreja de S. Roque está classificada como Monumento Nacional
“A Encomenda Prodigiosa” foi o título de uma exposição realizada em 2013 que “procurou retratar o caminho que conduz da Basílica Patriarcal de Lisboa à Capela Real de São João Baptista, ambas encomendas de D. João V”. A exposição foi em dois polos, Museu Nacional de Arte Antiga e o Museu de São Roque, e terá contado com a presença de 60 000 visitantes.
“A Encomenda Prodigiosa” da esplendorosa Capela de S. João Baptista faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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