Andar em Janeiro ao final do dia a calcorrear a serra do Caldeirão não é fácil devido ao frio. O que vale ao grupo das janeiras é que existe o hábito de oferecer doces, aguardente de medronho ou um cálice de vinho do Porto.
O que mais anima o grupo de janeiras da Associação dos Amigos da Cortelha, uma aldeia do concelho de Loulé, é reavivar uma tradição, que estava quase desaparecida, com base numa pesquisa que realizaram na serra sobre danças e cantares. “Entre os bailes de roda, corridinhos… fomos descobrir algumas cantigas que eram cantadas no tempo das janeiras, no Ano Novo e Reis.” Sublinha ainda Márcio Rodrigues, coordenador do Grupo das Janeiras que no litoral algarvio a tradição são as charolas e têm outro enquadramento. “Na serra do Caldeirão as janeiras eram cânticos mais religiosos e sem grandes instrumentos musicais.”
Cumprindo a tradição, cantam as janeiras no dia de Ano Novo e na véspera dos Reis, na tarde e noite do dia 5 de Janeiro. Habitualmente são quase duas dezenas de pessoas e a maioria são cantadores. Por norma são acompanhados por um acordéon, ferrinhos e pandeireta. “Tudo muito à capela, sem grandes instrumentos e sem frenesim. Chegamos à casa das pessoas batemos à porta e perguntamos, também seguindo a tradição, se cantamos ou rezamos. Por vezes pode estar um familiar doente ou ter falecido alguém recentemente. Já sucedeu rezarmos. Na quase totalidade dos casos cantamos e terminamos sempre com duas ou três chacotas.”
Márcio Rodrigues é um entusiasta da etnografia serrana e não se admira com o relato do bom acolhimento quando vão às aldeias cantar as janeiras. No primeiro ano surpreenderam e tiveram grande recetividade. Nos anos seguintes já passaram a ser recebidos com as ofertas, que é hábito os donos das casas darem, depois do grupo cantar uma chacota. “Nem que seja um cálice de aguardente ou uma chouriça. Na verdade, nos anos seguintes, já nos esperavam com essas ofertas mais filhós, bolo rei, cálice de vinho do Porto…”
O ponto de partida para as jornadas do cantar das janeiras é o largo da Associação dos Amigos da Cortelha onde já se encontra o Presépio em Cortiça de Cortelha com figuras em tamanho real. A população andou a recolher materiais, como por exemplo musgo e canudos em cortiça, para a construção dos bonecos.
“As figuras são praticamente em tamanho real com as estruturas em cortiça. As caras das figuras são moldadas por um artesão local. Todo o cenário é coberto com palha, musgo, esteva e rama de medronheiro. Temos um moinho de vento que simboliza a nossa terra. Acabamos por juntar às figuras humanas e ao camelo dos reis magos o nosso pastor, as ovelhas e o burro. Há uma simbiose de imagens da nossa zona com o cenário do nacimento de Jesus. O presépio tem tido grande recetividade. Temos tido visitantes de várias regiões de Portugal, além dos turistas que andam pelo Algarve.”
Pode ser visto até dia de Reis, 6 de Janeiro.
A iniciativa do presépio foi premiada, há 15 anos, e procuram sempre associar produtos e etnografia local.
O presépio partiu de um desafio realizado no Algarve, em 2004, para a construção de presépios nas aldeias com matéria prima e significado local.
Uma outra forma da Associação valorizar a cultura local é através do Grupo Etnográfico da Serra do Caldeirão.
Participam em eventos nacionais e internacionais e no Verão realizam um Festival de Folclore.
Ver ainda as filhós da ti Raquel
Cantar as janeiras na serra do Caldeirão e o presépio em cortiça de Cortelha faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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