Luzia Manata foi contrabandista durante 15 anos. Não pertenceu a qualquer organização profissional. Era do chamado contrabando da barriga. Pessoas de poucos recursos que tentavam através do contrabando obter algum dinheiro para ajudar a família no dia a dia.
Contrabandeava entre a Aldeia do Bispo, onde vivia, e Valverde.
O caminho era pela Senhora do Bom Sucesso. Um nome auspicioso para os contrabandistas que tinham receio da Guarda Fiscal e da Guardia Civil.
Habitualmente não ficavam detidos, apenas lhes tiravam a mercadoria. Apesar de ter havido casos de tiros e mortos.
Do alto do santuário do Bom Sucesso, Luzia Manata seguia acompanhada de mais mulheres e, por vezes, com uma filha e escolhia o melhor percurso para atravessar o rio e a fronteira.
Num dia, no regresso, choveu muito, o rio Torto encheu e mãe e filha tiveram de esperar até de madrugada. As mulheres ataram os xailes umas às outras para ajudar a travessia e dar o sinal de perigo caso alguma estivesse em dificuldades.
O contrabando seguia escondido no meio da roupa.
O chamado contrabando da barriga deve-se a esta particularidade. Às camadas de roupa para tentar camuflar o contrabando.
A filha de Luzia Manata conta que chegou a atravessar a fronteira com três colchas enroladas ao corpo, cada uma coberta com uma bata.
A mãe, quando tinha muitos pedidos, chegou a usar sete batas para esconder sapatos e louças que vinham presas na barriga.
Outras vezes, levavam calçado muito velho e traziam sapatos novos.
Luzia Manata vendia os produtos em Penamacor e frequentemente ía a Espanha já com encomendas.
Na fronteira, as mulheres eram mandadas parar e depois revistadas pelas mulheres dos guardas. Os polícias espanhóis batiam com uns paus para tentar detectar pelo ruído se levavam alguma coisa no meio da roupa e, se havia alguma suspeita, as mulheres eram encaminhadas para uma casa onde eram revistadas.
Em Penamacor havia Guarda Fiscal e todos se conheciam. Guardas e contrabandistas.
Esta relação e a aceitação social deste tipo de contrabando é descrita de modo muito interessante no estudo Carregos – Estudo do Contrabando na raia central, de António Manuel Conceição Cabana.
Um outro trabalho referente a esta zona da raia é Caminhos do Contrabando de Delfina Ermelinda Pinheiro Campanha Baptista.
Abolidas as fronteiras, terminou o contrabando mas não se pode dizer que findou o transporte “irregular” de mercadorias.
Ao revisitar o roteiro de contrabando do santuário do Bom Sucesso até Espanha já não se vê gente a fugir das autoridades fiscais mas em Valverde observam-se muitos carros a abastecerem-se de combustível e de botijas de gás.
Numa bomba de gasolina estava um carro com a mala aberta. Tinha 2 botijas e aguardava que o posto de combustível recebesse novo fornecimento para trazer mais duas para Portugal.
O roteiro do contrabando da barriga faz parte do podcast semanal da Antena1 Vou Ali e Já Venho e pode ouvir aqui.
A emissão deste episódio, O roteiro do contrabando da barriga, pode ouvir aqui.
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