Quem passeia na Graça, em Lisboa, já terá reparado nos painéis de azulejos com a referencia Estrella d’Ouro – Agapito Serra Fernandes que anunciam as entradas para o bairro económico. Tem cerca de 30 habitações em casas térreas ou de dois pisos com galerias exteriores e escadas em ferro. Cada bloco tem uma cor diferente.

Pouco mudaram desde a sua construção. Ana José Alves, moradora do bairro há 81 anos diz que se mantém arquitectura e em algumas casas as divisórias também não foram alteradas.
site_agapito_DSCF8297O bairro tem quatro ruas e foi construído há pouco mais de um século. Era propriedade do empresário galego Agapinto Serra Fernandes. Mais tarde alargou o bairro e também construiu o Cine Royal, na rua da Graça. Tem a estrela dourada, uma marca de Agapinto e que, dizem, está associada à sua origem, ao campo da estrela de Santiago de Compostela.

Interior do Cine Royal, hoje supermercado
Interior do Cine Royal, hoje supermercado

O Cine Royal, foi o primeiro cinema em Lisboa a ter projeção sonora. A estreia de Sombras Brancas nos Mares do Sul, de Van Dyke foi em 1935 e contou com a presença do Presidente da República. Hoje é um supermercado.

Edificio junto a uma das entradas
Edificio junto a uma das entradas

Numa primeira fase o bairro serviu para alojar trabalhadores do comércio a maioria trabalhavam para Agapinto Serra Fernandes. Ao fim de alguns anos surgiram novos moradores. Uma dessas pessoas foi Ana José Alves. Há 81 anos que a história do bairro Estrella d’Ouro é também a sua história e reforça esse laço com muita emoção: “Nasci e criei-me aqui. Sou muito agarrada ao nosso bairro. Sou bairrista 100%.”

Ana José Alves
Ana José Alves

Ana José Alves, filha de um policia e de uma modista, faz parte do bairro numa altura que se renovavam os primeiros moradores, com o proprietário a “alugar as casas aos portugueses pobres e com uma vida definida. Não podia haver barulho… Tínhamos uma vida linda neste bairro.”
Outra das entradas do bairroA excepção das habitações modestas era a moradia d Agapinto Serra Fernandes, onde agora funciona um lar, e que fica mesmo ao lado da casa de Ana José Alves. “Era uma pessoa excepcional. Quando havia pessoas a precisar de roupa ou comida ele mandava a cozinheira fazer o jantar e pela porta saiam filas de marmitas para dar.”

site_agapito_6457Ana José Alves também se recorda da vida no bairro e, de certa forma, o que relata era um espelho de muitas outras ruas de Lisboa. Hoje parecem tempos longínquos na vida da cidade mas estão bem registadas nas suas memorias: Sou do tempo da carroça de lixo. Os caixotes do lixo estavam à porta das casas, eram de madeira e forrados com jornais. No dia seguinte tinham de ser lavados e forrados com um novo jornal. Quem não o fizesse era repreendido pelo senhor da carroça. O cavalo tinha imensa dificuldade em subir a rua porque o piso era muito irregular”
site_agapito_DSCF8294 Ana diz ainda que é do tempo da “peixeira rica e peixeira pobre, do leiteiro e da mulher da hortaliça que ia buscar os legumes à Praça da Figueira e colocava-os na escada para a gente comprar”.
site_agapito_DSCF8298O bairro tinha muito mais gente do que agora. Eram famílias. Eram uma família, uma família completa como não existe agora. Todos amigos uns dos outros. Faltava uma batata, uma cebola, tostões para comprar o pão…alguém ajudava. Éramos muito unidos. Excepcionais uns com os outros.”
O passado não é feito apenas de boas recordações. A pobreza, a dificuldade em ter uma vida digna e a Segunda Guerra Mundial são memórias negativas.
site_agapito_DSCF8300 Na segunda Grande Guerra tiveram de colocar adesivos nos vidros das janelas e era proibido acender as luzes durante a noite o que impedia a mãe de trabalhar como modista. Por ser loura e de olhos azuis, Ana também passou por experiências que não esquece. Foi obrigada a esconder-se debaixo da cama porque procuravam pessoas com esta fisionomia para avaliar a sua origem familiar.
site_agapito_6460Hoje restam poucas pessoas no bairro que partilhem estas memórias e o ambiente mudou radicalmente porque “ninguém tem amor pelo próximo, ninguém gosta de ninguém. É muito triste. A minha geração não podia ver ninguém sofrer.”
Apesar desta mudança ainda se sente em casa. “Na minha sinto. Porque sou terra a terra. Maria mandona. Não me deixo acobardar. Olho para a frente. Porque o meu bairro é o meu bairro. Eu adoro isto.”

site_agapito_6455O bairro Estrella d’Ouro está classificado como Conjunto de Interesse Público
Bairro Estrela e de pessoas d’Ouro faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

O Vou Ali e Já Venho tem o apoio:Af_Identidade_CMYK_AssoMutualistaAssinaturaBranco_Baixo

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