Há pouco mais de um século Paço de Arcos era uma das praias mais famosas da região de Lisboa. Em 1876 Ramalho Ortigão relatou que era “a praia aristocrática dos subúrbios de Lisboa”, embora se interrogasse sobre a aplicação em Portugal do conceito de aristocracia.
Não foi o único a enaltecer a praia que, para outros, era “o paraíso das praias”
Ainda nas palavras de Ramalho Ortigão, na altura havia poucas casas, a marginal era a rua principal e distinguiam-se as árvores e o palácio dos Arcos, que terá dado nome ao lugar.
Hoje também se destaca pela cor amarela e é um hotel. No palácio ficaram hospedados, por exemplo, o rei D. Manuel e um dos lugares frequentados era o jardim que tem uma magnifica varanda para o mar.
O acesso ao jardim é público. É um refúgio com várias estátuas de poetas e poetisas portuguesas.
Da varanda vemos os pequenos barcos encostados no areal da Praia Velha que, no passado, era a eleita pela nobreza e a coroa. Era a praia chique.
Hoje é diferente. “Em tempos foi. Agora tem mais pessoas e é onde também estão as embarcações pequenas. No Verão junta-se ali muita gente. A outra também tem muita gente.”
O testemunho é de quem conhece bem Paços de Arcos, Dionísio Andrade, e que aponta para uma “nódoa” no postal ilustrado: “sinceramente a água na Praia Velha não é a melhor porque tem um esgoto próximo. Não é dos melhores sítios para se tomar banho.”
Enaltece, sim, a outra praia, que está um pouco mais à frente, em direção a Oeiras. “A praia principal é boa. Recebe muita gente e, como tem o Passeio Marítimo, é juntar o útil ao agradável. Quem quiser vai para a água, Outros preferem o Passeio Marítimo, é ótimo.”
Dionísio Andrade tem quase toda a vida dedicada ao mar e nos último 37 anos as suas incursões são na zona de Paço de Arcos. Primeiro como patrão de salva-vidas e a última década a ir quase todos os dias ao mar à pesca. Na volta, gosta sempre de contemplar a costa.
“É gratificante porque vemos a beleza da terra. Esta zona, a margem Norte, é muito bonita. Até de noite. Ver tudo iluminado, é muito bonito! Temos coisas bonitas e por vezes não damos valor e atenção. Por exemplo, no sítio onde eu estou, à noite, vejo passar cidades flutuantes.”
No exato momento em que Dioniso Andrade falava comigo, estava de costas para o mar e fui eu que o avisei que, curiosamente, nessa altura estava a passar um paquete. “Mas à noite, os grandes paquetes, todos iluminados, são autênticas cidades flutuantes. É digno de se ver.”
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No final do século XIX Ramalho Ortigão dizia que a praia tinha muitas barracas, era a que “mais desafogadamente vê o mar” e “as árvores da quinta do conde de Alcáçovas facultam-lhe um pequeno fundo fresco de verdura”.
Hoje há muitas outras zonas arborizadas para além dos Arcos. É o caso do jardim principal, junto à marginal, com árvores altas, espaços de lazer e vestígios de prédios de traça antiga.
Nas proximidades da praça e do jardim está o Clube Desportivo de Paço de Arcos cuja origem remonta a um outro clube que faria agora um século.
No tempo de Ramalho Ortigão a fama era de outra coletividade, o Clube de Paço de Arcos, inaugurado em 1875. Os portugueses pagavam uma quota. Os estrangeiros e as senhoras espanholas eram convidadas para o baile da noite. Dançar com uma espanhola seduzia não só os banhistas de Paço de Arcos como também os das praias vizinhas.
Outra diferença relevante é que a descrição de Ramalho Ortigão é feita com elementos recolhidos de uma viagem no barco a vapor entre Cais do Sodré, em Lisboa, e Cascais. Meio século depois chegou a linha do caminho de ferro que impôs, em alguns locais, uma separação com as praias.
Hoje um dos lugares mais procurados é o Passeio Marítimo, junto à Praia Nova ou das Fontainhas, que nos reaproxima do mar. Vai até Oeiras com uma extensão de 4km.
No entanto, Dionísio Andrade prefere passear de barco.
A sua rotina é entre a Praia Velha, onde tem o barco, e o mar. “Sim. Se puder ir todos os dias é ótimo. Não é só a ideia de ir apanhar o peixe. É o prazer que me dá, mesmo quando não apanho eu sou feliz porque estou a fazer uma coisa que gosto. Pensar antecipadamente, antes de ir para o mar, que amanhã vou entrar no barco e vou à pesca, vou navegar, enche-me o coração de alegria. Vou num barco pequeno, de 5 metros, com motor e afasto-me até ao farol do Bugio, Carcavelos, até à Torre. Ando por aqui. Não me afasto muito.”
O resultado da pesca é secundário. Durante o ano o que mais consegue apanhar é polvo e robalo. “O peixe, normalmente é para casa porque hoje já não há a quantidade que havia antigamente. Há também sempre um amigo que gosta de um peixe fresco, distribuo também a vizinhos amigos.”
Nos 26 anos que trabalhou como patrão de salva-vidas em Paço de Arcos refere que um dos maiores problemas eram as comunicações e o outro era uma ilha próximo do Farol do Bugio.
“Há cerca de 20 anos havia uma ilha enorme. Até tinha arvoredo, ervas, feno…. Aí sim, estava muito perto do canal de entrada da barra, às vezes havia navios e embarcações mais pequenas, principalmente os veleiros que encostavam e ficavam lá. Nós íamos por atenção a um very light, lançado de noite, ou porque a autoridade marítima nos dava conhecimento e chegámos a tirar algumas embarcações que estavam encalhadas.”
Sobre Paço de Arcos ver trabalho de Alexandra Carvalho Antunes, Lugares da Boa Viagem, Caxias, Laveiras e Paço d’Arcos: veraneio e vida em sociedade no séc. XIX e Os Bardinos
Paço de Arcos – “a praia aristocrática dos subúrbios de Lisboa” faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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