Almendra é uma amêndoa esquecida. Surpreende quem passa pela vila, no final da N222, e vê desgastada a beleza de um dos mais interessantes edifícios de estilo barroco no Norte de Portugal. Merece uma paragem mais demorada para se descobrir a verdadeira “amêndoa” do Riba- Côa.
Os árabes deram-lhe o nome, outros criaram uma fortaleza que desapareceu, condes e viscondes afirmaram aqui o seu estatuto e no presente confronta-se com o vazio da desertificação.
Sem gente nas casas, sem miúdos na rua e sem trabalhadores. Novos aventureiros descobrem-na em duas rodas, no final da bonita Nacional 222. Podemos dizer que é injusto.
Pela sua beleza e pelo bonito enquadramento natural do Riba-Côa, merecia que, mesmo que simbolicamente, fosse considerada a etapa primeira “de uma das estradas mais bonitas da Europa”.
Apesar de tudo, Almendra continua a resistir ao tempo e à ambição dos vários povos que lhe disputaram a posse e o usufruto. Por isso, tem uma igreja que é uma fortaleza. Condes e viscondes construíram solares e casas apalaçadas que nos surpreendem.
É uma janela no tempo com marcas de arte e engenho e muito para descobrir, como garantiu o meu cicerone Tiago Rocha: “tem a casa dos viscondes, a casa do conde, pelourinho, igreja matriz, aqui é a capela da misericórdia. Há tanta coisa para ver…”
Comecemos pela igreja matriz. É um edifício enorme, de estilo românico, de granito e com duas torres imponentes. Poucas janelas e só as portas têm alguma graciosidade com o trabalho na pedra. Tudo o resto é frio, robusto.
A igreja está datada do século XVI, no portal tem a inscrição de 1565, mas há quem admita que seja mais antiga, que remeta para uma igreja pequena que, por sua vez, aproveitou a estrutura de um templo pagão.
Da igreja até ao pelourinho, classificado como Imóvel de Interesse Público, percorremos ruas com casas tradicionais de granito.
Na praça da antiga vila encontramos os sinais da aspiração da terra em ser sede de concelho. Alternou o estatuto várias vezes com Castelo Rodrigo até que, em meados do século XIX, tudo se esfumou, com a extinção do concelho de Almendra. É para saudar os tempos do foral que em frente ao pelourinho está um busto dedicado a D. Manuel.
Vamos de seguida para a construção que provoca maior espanto e desapontamento em Almendra. O solar dos Viscondes do Banho.
É considerado um dos edifícios de estilo barroco mais bonitos no Norte de Portugal.
A arquitetura com traços rococó, a localização e a beleza dos trabalhos decorativos das molduras de pedra das cerca de 30 janelas, tudo nos capta a atenção.
Sobretudo a fachada principal que partilha um pequeno largo com uma árvore de grandes dimensões. Destaca-se do conjunto da fachada a varanda arredondada e em cima um brasão enorme com um delicado e rico trabalho em pedra.
À beleza da arquitectura do solar dos Viscondes do Banho contrapõe-se o lamento de o edifício estar praticamente ao abandono e parte do telhado ter caído.
A propriedade é privada e está classificado como Imóvel de Interesse Público. A origem do edifício remonta ao século XVIII, mas a construção foi interrompida e nunca foi concluída até os militares franceses, no decorrer das Invasões, o terem incendiado.
A reconstrução foi no final do século XIX e na altura já estaria na posse de Alexandre Morais Sarmento, filho de D. Maria II de quem recebeu o título de Visconde do Banho.
Bem diferente é o estado da casa do Conde Almendra.
O edifício é sóbrio, sobressai apenas o brasão em cantaria do primeiro e único conde de Almendra, que recebeu o titulo de D. Carlos I, em 1906.
“Isto era do antigo conde de Almendra. Não teve filhos. Tinha uma sobrinha, foi dos filhos e agora é dos netos. É uma casa agrícola e produz essencialmente vinho, amêndoa e azeite” A descrição é de Pompeu Varges, com 92 anos de idade e feitor da casa, “vai fazer 56 ou 57 anos”.
A casa do conde de Almendra deu trabalho a muita gente. “Agora é que já não há nada. Já não há quem trabalhe, quem faça alguma coisa. Antigamente chegámos a ter aqui 10 a 20 pessoas, homens e mulheres nos jardins, na azeitona, na amêndoa… Agora já não há ninguém”.
Almendra também mudou, “muito, bastante mesmo. Havia aqui muita gente. Havia cá para cima de 200 juntas de machos, para lavrar, olivais… não havia tratores. Agora só há um. Desde o principio da povoação até à igreja, de um lado a outro, estão 34 casas fechadas, sem ninguém. Antigamente um rapaz queria-se casar com uma rapariga e não tinha uma casa para se meter. Tinha de ir para a casa dos pais. E agora há tanta casa fechada!”
A conversa foi num enorme alpendre de madeira onde guarda algumas faias agrícolas e próximo da entrada para o jardim. “Era um rico jardim. A senhora Maria José tinha aqui um jardim que era um primor. A gente é pouca e está tudo muito modificado.”
Os condes de Almendra, do Banho e da Nacional222 faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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