O fascínio do mar e o heroísmo dos pescadores do bacalhau no Atlântico Norte estão representados em detalhe no Museu Marítimo de Ílhavo.
A cidade é uma terra dedicada ao mar e a muitas atividades na Ria de Aveiro. O porto da Gafanha da Nazaré está muito próximo com os barcos que vão à pesca na Terra Nova e Gronelândia.
O ponto de partida do Museu é também a “Faina Maior”, a pesca do bacalhau.
A sala dedicada à “Faina Maior” pertence à coleção permanente do Museu. É muito grande e o elemento central é um bacalhoeiro de madeira que tem no seu interior alguns botes, também chamados de doris.
Fazem parte de uma imagem que ganhou projeção internacional. A pesca à linha executada pelo pescador solitário num dori, no meio do gélido oceano.
Dionísio Andrade foi três vezes à pesca do bacalhau e na terceira jornada já podia ir pescar num dori, mas recusou porque, antes de partir, tinha decidido que seria a última viagem num bacalhoeiro.
“Embarquei com 16 anos. Fiz o curso da Escola Profissional de Pesca e meteram-me de imediato num navio que era o mais pequeno da frota. Fiz três viagens e cansei-me porque era muito duro, uma escravidão. Não fazia sentido. Nada justificava o ser humano sofrer tanto como na pesca do bacalhau.
Desde o moço, o meu posto mais baixo, até ao pescador. Sofria-se muito.”
Um dos motivos era o permanente esforço exigido a todos. “Enquanto havia trabalho ninguém descansava. Às vezes era comer em 15 a 20 minutos. 20 minutos já era uma eternidade.”
Dionísio Andrade relata uma rotina sempre preenchida com tarefas, “dia e noite. De dia era para pescar. Os doris iam para a água, pescavam o bacalhau e depois descarregavam-no no navio. Após a refeição era a escala. O bacalhau que estava no convés tinha de ser aberto, tratado e só se parava às tantas da noite.
Depois dormia-se 3 a 4 horas.” Dionísio ainda tem bem viva a memória do esforço permanente, “só para lhe dar uma ideia do que era o descanso, eu em 29 dias consecutivos dormia 3 horas. Era o trabalho, o trabalho e depois o trabalho. Só se folgava ou descansava mais um pouco quando havia tempestade. A brisa, chamavam na altura a esse vento a brisa.”
Além de vento forte, havia ainda o frio. “Geladissimo. Até vou a dizer uma coisa que custa, mas é a verdade e é para as pessoas darem valor ao que os outros passaram. Nós dormíamos com a roupa com que andávamos a trabalhar. Dormíamos vestidos porque o frio era tanto que não havia possibilidades de ser de outra maneira. Tinha de ser assim, tinha de se gramar ali durante seis meses.”
No museu encontramos outros testemunhos, uma grande diversidade de relatos, como também milhares de peças relativas à pesca do bacalhau. A coleção é uma das mais relevantes a nível internacional imensos objetos.
Alguns destes testemunhos podem ser melhor percebidos no polo do Museu na Gafanha da Nazaré. No bacalhoeiro Santo André que está atracado. Foi um arrastão que andou na pesca cerca de 50 anos. Primeiro no Mar do Norte e depois no Atlântico Sul.
Não está muito longe de outros barcos, igualmente atracados próximo de grandes armazéns e que pescam na Terra Nova e Gronelândia.
“Nada justificava o ser humano sofrer tanto” – testemunhos da pesca do bacalhau faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
Pingback: Barcos tradicionais da Ria Aveiro e as pinturas atrevidas dos moliceiros - Andarilho