Da janela do “Vouguinha”
“O comboio que faz ver a paisagem tem qualidades de inventor”, Francis Beaucire *
* “Il y a ceux qui s’accoudent à la balustrade ou au parapet et regardent le chemin de fer, ou plutôt l’emprise du chemin de fer, animée parfois par le mouvement d’un train: c’est le paysage ferroviaire. Mais il y a aussi ceux qui collent leur nez à la fenêtre, qui ne voient pas de trains, mais qui voient le paysage, le paysage «normal», dont seul le premier plan, fugitivement, est celui du chemin de fer : une ou deux voies de garage qui se perdent dans les herbes pour buter soudain sur la traverse d’un heurtoir. Au-delà, jusqu’à l’horizon et jusqu’au ciel, c’est le paysage des géographes qui s’offre aux nez-collés. Mais il est vu singulièrement : le train est l’instrument d’une façon de voir, une parmi d’autres, mais qui a ouvert, au moment où naquit le cinéma, la voie d’une modalité pionnière de la perception. Le train qui fait voir le paysage a des qualités d’inventeur.” – in https://journals.openedition.org/rhcf/560
Em Portugal a via estreita foi utilizada em linhas onde se colocavam grandes dificuldades de construção, particularmente naquelas que atravessavam áreas montanhosas, pois permite raios de curva menor.
O impacto de uma linha de caminho de ferro na paisagem é considerável. Os espaços rurais tradicionais são cortados pelas linhas férreas contrastando com as formas fantasiosas e fantásticas da natureza.
A implantação em Portugal, como nos outros países, de instalações ferroviárias, a partir da segunda metade do século XIX, causou um impacto na trama urbana pré-existente, produzindo novos contornos das cidades e marcando de forma indelével o desenvolvimento e a morfologia urbana futuras. Produziu igualmente alterações irreversíveis na paisagem rural, surgindo novos aglomerados e cidades onde antes só existiam pequenos embarcadouros. As estações foram uma das maiores oportunidades históricas contemporâneas para encontrar novos conceitos de autolimitação do crescimento urbano.
Escreve o geógrafo Álvaro Domingues:
“Como a língua ou a história, a paisagem é um poderoso marcador identitário, uma casa comum. Não há paisagens para sempre. A paisagem é o registo de uma sociedade que muda e, se a mudança é tanta, tão profunda e acelerada, haverá disso sinais, para além de pouco tempo e muito espaço para compreender ou digerir as marcas e formas como se vão atropelando mutuamente, ora relíquias, ora destroços. Ao mesmo tempo, se muda a paisagem, os referentes estáveis que as imagens das paisagens produzem entram numa atrapalhação, num acelerar de diferenças onde, frequentemente, se reconhece melhor o que se perde do que o que se ganha. E o modo como é avaliado esse ganho não é óbvio.”
Sobre o alto valor turístico da Linha do Vale do Vouga, a Linha do Vale das Voltas, como já foi chamada, escreve o político Amílcar de Barros Queirós *:
“Com a construção da Linha do Vale do Vouga, o país passou a ter a mais formosa das suas vias-férreas e a mais encantadora entre todas. De uma admirável paisagem, toda ela é uma sinfonia de cor, ressaltando os acordes inconfundíveis dessa região de sonho que é o Vale de Lafões (…). Diria Brito Camacho [escritor, jornalista e político] que o Vale do Vouga é tão rico como o da Suíça e que uma vez por lá passando, o passageiro nunca mais o esquece.
E, de facto, assim é. Até as suas pontes, de linhas delicadas dir-se-iam obras de arte que milionário caprichoso mandou colocar em maravilhoso parque.
O Vale do Vouga! A mais linda tela que nos deu a Natureza.”, in “Os Caminhos de Ferro do Vale do Vouga”
“Paisagem” – Designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo caráter resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos. (Convenção Europeia da Paisagem, Florença, 20.102000).
“Paisagem cultural” – As paisagens com valor cultural testemunham a forma como o Homem se relacionou com o ambiente natural ao longo do tempo. Nesta relação de interdependência mútua, foram definidas paisagens que são agora um testemunho do modo de vida das diferentes sociedades humanas e da forma como elas se relacionaram com os valores naturais.
É neste enquadramento que se torna determinante a conservação destas paisagens, desde o simples jardim doméstico, passando pelos jardins públicos e cercas conventuais até às paisagens culturais de grande dimensão como Sintra ou o Alto Douro Vinhateiro.
A conservação e salvaguarda do património paisagístico exige uma abordagem sistémica e integrada dada a expressão territorial de muitas destas paisagens, as suas componentes inertes e construídas, as frágeis componentes viva e natural e ainda a diversidade de contextos sociais e económicos. (in “Paisagens culturais e jardins históricos”, DGPC).
“Paisagem ferroviária” – Refere-se:
– À forma como a paisagem passou a ser vista, a partir do comboio que se desloca ao longo da linha, a denominada plena via;
– Ao conjunto de elementos que persistem no recinto de algumas estações e apeadeiros, e que com todas as caraterísticas físicas e singularidades e uma determinada estabilidade formal, marcam a sua identidade, remetem-nos, por vezes, para diferentes eras de projeto, construção e exploração e perduram na memória coletiva.
Destacamos:
- Edifícios e outras construções; vedações, carris e plataformas de passageiros
- Mobiliário e equipamento de estação: relógios, candeeiros, colunas dos alpendres em ferro fundido, postes de catenária
- Azulejos (Aveiro)
- Grafismos: logotipos, sinalética, toponímia
- Materiais, cores, volumes, formas, texturas
- Áreas verdes, “jardim da estação”
Vedações
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