Da janela do “Vouguinha”

“O comboio que faz ver a paisagem tem qualidades de inventor”, Francis Beaucire *

* “Il y a ceux qui s’accoudent à la balustrade ou au parapet et regardent le chemin de fer, ou plutôt l’emprise du chemin de fer, animée parfois par le mouvement d’un train: c’est le paysage ferroviaire. Mais il y a aussi ceux qui collent leur nez à la fenêtre, qui ne voient pas de trains, mais qui voient le paysage, le paysage «normal», dont seul le premier plan, fugitivement, est celui du chemin de fer : une ou deux voies de garage qui se perdent dans les herbes pour buter soudain sur la traverse d’un heurtoir. Au-delà, jusqu’à l’horizon et jusqu’au ciel, c’est le paysage des géographes qui s’offre aux nez-collés. Mais il est vu singulièrement : le train est l’instrument d’une façon de voir, une parmi d’autres, mais qui a ouvert, au moment où naquit le cinéma, la voie d’une modalité pionnière de la perception. Le train qui fait voir le paysage a des qualités d’inventeur.” – in https://journals.openedition.org/rhcf/560

© Emília Pires

Em Portugal a via estreita foi utilizada em linhas onde se colocavam grandes dificuldades de construção, particularmente naquelas que atravessavam áreas montanhosas, pois permite raios de curva menor.

O impacto de uma linha de caminho de ferro na paisagem é considerável. Os espaços rurais tradicionais são cortados pelas linhas férreas contrastando com as formas fantasiosas e fantásticas da natureza.

Ponte em Sernada do Vouga e locomotiva em Eirol, 1969

A implantação em Portugal, como nos outros países, de instalações ferroviárias, a partir da segunda metade do século XIX, causou um impacto na trama urbana pré-existente, produzindo novos contornos das cidades e marcando de forma indelével o desenvolvimento e a morfologia urbana futuras. Produziu igualmente alterações irreversíveis na paisagem rural, surgindo novos aglomerados e cidades onde antes só existiam pequenos embarcadouros. As estações foram uma das maiores oportunidades históricas contemporâneas para encontrar novos conceitos de autolimitação do crescimento urbano.

Escreve o geógrafo Álvaro Domingues:

“Como a língua ou a história, a paisagem é um poderoso marcador identitário, uma casa comum. Não há paisagens para sempre. A paisagem é o registo de uma sociedade que muda e, se a mudança é tanta, tão profunda e acelerada, haverá disso sinais, para além de pouco tempo e muito espaço para compreender ou digerir as marcas e formas como se vão atropelando mutuamente, ora relíquias, ora destroços. Ao mesmo tempo, se muda a paisagem, os referentes estáveis que as imagens das paisagens produzem entram numa atrapalhação, num acelerar de diferenças onde, frequentemente, se reconhece melhor o que se perde do que o que se ganha. E o modo como é avaliado esse ganho não é óbvio.”

Sobre o alto valor turístico da Linha do Vale do Vouga, a Linha do Vale das Voltas, como já foi chamada, escreve o político Amílcar de Barros Queirós *:

“Com a construção da Linha do Vale do Vouga, o país passou a ter a mais formosa das suas vias-férreas e a mais encantadora entre todas. De uma admirável paisagem, toda ela é uma sinfonia de cor, ressaltando os acordes inconfundíveis dessa região de sonho que é o Vale de Lafões (…). Diria Brito Camacho [escritor, jornalista e político] que o Vale do Vouga é tão rico como o da Suíça e que uma vez por lá passando, o passageiro nunca mais o esquece.

E, de facto, assim é. Até as suas pontes, de linhas delicadas dir-se-iam obras de arte que milionário caprichoso mandou colocar em maravilhoso parque.

O Vale do Vouga! A mais linda tela que nos deu a Natureza.”, in “Os Caminhos de Ferro do Vale do Vouga”

“Paisagem” – Designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo caráter resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos. (Convenção Europeia da Paisagem, Florença, 20.102000).

“Paisagem cultural” – As paisagens com valor cultural testemunham a forma como o Homem se relacionou com o ambiente natural ao longo do tempo. Nesta relação de interdependência mútua, foram definidas paisagens que são agora um testemunho do modo de vida das diferentes sociedades humanas e da forma como elas se relacionaram com os valores naturais.

É neste enquadramento que se torna determinante a conservação destas paisagens, desde o simples jardim doméstico, passando pelos jardins públicos e cercas conventuais até às paisagens culturais de grande dimensão como Sintra ou o Alto Douro Vinhateiro.

A conservação e salvaguarda do património paisagístico exige uma abordagem sistémica e integrada dada a expressão territorial de muitas destas paisagens, as suas componentes inertes e construídas, as frágeis componentes viva e natural e ainda a diversidade de contextos sociais e económicos. (in “Paisagens culturais e jardins históricos”, DGPC).

“Paisagem ferroviária” – Refere-se:

– À forma como a paisagem passou a ser vista, a partir do comboio que se desloca ao longo da linha, a denominada plena via;

– Ao conjunto de elementos que persistem no recinto de algumas estações e apeadeiros, e que com todas as caraterísticas físicas e singularidades e uma determinada estabilidade formal, marcam a sua identidade, remetem-nos, por vezes, para diferentes eras de projeto, construção e exploração e perduram na memória coletiva.

Destacamos:

  • Edifícios e outras construções; vedações, carris e plataformas de passageiros
  • Mobiliário e equipamento de estação: relógios, candeeiros, colunas dos alpendres em ferro fundido, postes de catenária
  • Azulejos (Aveiro)
  • Grafismos: logotipos, sinalética, toponímia
  • Materiais, cores, volumes, formas, texturas
  • Áreas verdes, “jardim da estação”
Toma de água. Estação de Albergaria-a-Nova (desativada)
Depósito de água. Estação de S. João de Ver
Placa giratória na estação de Oliveira de Azeméis
Placa giratória na estação de Sernada do Vouga

Vedações

Estação de Sernada do Vouga
Estação de Meão
Estação de Oliveira de Azeméis
Estação de S. João de Ver
Estação Vila da Feira
Estação Vila da Feira

Regressar a Linha do Vouga – uma visita virtual

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