José Afonso imortalizou Malpica do Tejo com quatro canções do cancioneiro local e uma das mais conhecidas é Maria Faia. A retribuição costuma ser feita com uma homenagem a Zeca Afonso no dia 1 de Maio. Alguns malpiqueiros sentem orgulho no eu cancioneiro local.

Ponte sobre o rio Pônsul

José Afonso tinha passagens regulares por Malpica do Tejo, no concelho de Castelo Branco. É uma freguesia que namora o Tejo e com fáceis acessos, por barco, a Espanha.

O isolamento e a transição entre a Beira e o Alentejo permitem aos malpiqueiros terem traços culturais muito próprios, nomeadamente no património musical.
Estas particularidades não passaram despercebidas a Zeca Afonso que recolhia o cancioneiro popular junto da população.

Gracinda Diogo e o filho

Uma dessas pessoas foi Gracinda Diogo que guarda na memória essa relação com muito orgulho: “Gravei as cantigas com o Zeca Afonso. Fui gravar com mais gente”, mas as outras pessoas já morreram. Gracinda Diogo é o único testemunho vivo. “Juntávamo-nos, umas poucas senhoras, íamos gravar e ele fazia as cantigas como queria.” O local das gravações era “numa casa qualquer. Ele naquela altura nem se mostrava muito.”

Estátua de José Afonso em Malpica

Ainda no testemunho de Gracinda Diogo, José Afonso deslocava-se a Malpica com alguma regularidade, “tinha cá amigos. Depois combinava o dia em que vinha, para serem avisadas as senhoras para irem gravar. Sou a única que estou viva.”
Gracinda Diogo não ficou apenas com memórias dessas gravações. Ela própria decidiu passar a escrito o cancioneiro local. “Tenho as canções escritas. Voltei a escrevê-las.”
As que José Afonso adaptou foram, além de Maria Faia, A Moda do Entrudo, Oh que Calma vai Caindo e Lá vai Jeremias.
A Maria Faia é sobre as campesinas de Malpica, o trabalho no campo, nomeadamente a ceifa. Era habitual trabalharem e cantarem quando faziam alguns trabalhos agrícolas.

A agricultura, nessa altura, na década de 60, era a única atividade económica. “Trabalhava toda a gente no campo. Havia meia dúzia de latifundiários que semeavam azeitona e outras coisas e a gente ia para lá trabalhar. Uma vez para um, outra vez para outros. Era o que se fazia. Aqui nunca houve fabricas ou indústria.”

Malpica é uma aldeia grande com muitas casas de xisto. No jardim onde está uma estátua de José Afonso e escritas as letras de Maria Faia e Lá vai Jeremias é onde se costuma realizar a 1 de Maio o festival dedicado a Zeca Afonso. Este ano, devido à pandemia não se realiza. Reúne habitualmente músicos que tiveram uma grande relação com o cantor e compositor e a atuação é gratuita.

O festival coincide com uma festa que junta portugueses e espanhóis, em particular da vizinha Herrera de Alcântara. No sábado de carnaval os portugueses vão à matança do porco e no 1º de Maio retribuem com uma festa.

A maioria faz a travessia de barco porque o tejo não está muito longe e é um dos lugares de visita obrigatória para um passeio de barco ou só para contemplar a vista. É uma paisagem espetacular, dominada por mais de um quilómetro de vista do rio Tejo que nas últimas décadas, após a construção da barragem, tem muito mais água o que embeleza a vista. Gracinda Diogo diz que “do lado espanhol é mais bonito”. Antes da barragem, em algumas fases do ano, a travessia era a pé.

Do lado português há um miradouro e cais improvisado. Do lado espanhol há também um miradouro e o cais tem melhores estruturas.

Outro passeio é pelo interior da aldeia onde ainda há muitos vestígios das casas de xisto. Algumas de forma bem visível outras já rebocadas, como a de Gracinda Diogo, que preza ser malpiqueira, “de gema e com todo o gosto”. Embora lamente que “antes havia muita gente e agora não há praticamente ninguém. A mudança foi essa.”

Outra alteração foi na construção das casas. Antes “eram quase todas em xisto. Até a minha é em xisto. Está é rebocada. Mais tarde fizeram algumas em terra, chamamos a taipa. Xisto e barro. Nessa altura não havia cimento nem cal.”

Migas de peixe do rio confecionadas na Tasca Maria Faia

Malpica tem pouco mais de 500 habitantes, está inserida no Parque do Tejo Internacional, há vários percursos pedestres e atividades como pesca e passeios de barco no Tejo. Na gastronomia destaca-se o prato de Migas de peixe do rio.

A Maria Faia de Malpica faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

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