“Há 40 e tal anos que faço pão. Ando sempre com a caralhota na mão. Não tenho férias, não vou para lado nenhum”. A citação é de Dona Emília que vai para 50 anos que leva ao forno as caralhotas de Almeirim e é a padeira mais popular da cidade onde o pão acompanha a Sopa da Pedra.
O nome dado ao pão pode parecer estranho, mas no Diário da República foi institucionalizado e até certificado. A denominação Caralhotas de Almeirim está protegida pela Comissão Europeia com indicação geográfica no concelho, como também a famosa Sopa da Pedra.
Foi em particular a restauração que deu fama a este pão redondo, com côdea estalica e o miolo rústico.
“O verdadeiro pão de Almeirim não é amassado com máquinas. É com braços. Os antigos comiam este pão. Estavam uma semana inteira com este pão tapado, abafado, naquele tempo era muita a fome. O meu pão, por exemplo, continua à antiga. É amassado à mão, fica todo cheio por dentro, sem buracos. Continuo à antiga enquanto puder.” Diz Dona Emília que já tem mais de 70 anos.
O principal ingrediente é farinha de trigo e o pão é cozido em forno de lenha.
A origem deste tipo de pão remonta ao final do século XIX, num ambiente rural, pobre onde cada família fazia o seu pão.
A confeção e a designação está muito associada à tradição oral e Dona Emilia conta uma das muitas versões da história: “à volta do alguidar ficam os borbotos da massa. Havia uma senhora com 14 filhos. A mãe estava de costas e as meninas com as mãos rasparam os borbotos da massa e depois mandou para dentro do forno. A mãe perguntou à menina o que ela tinha metido no forno, e ela respondeu: uma caralhota. Ficou o nome”.
Por ano são vendidas cerca de 3 mil caralhotas em Almeirim e Dona Emilia é uma das padeiras mais conhecidas.
“Eu vivia com muita dificuldade. Ia buscar lenha com um reboque e uma mota. Comecei a cozer pão, a entregar na rua a senhoras, começaram a gostar e hoje sou muito conhecida pelas caralhotas.”
O seu estabelecimento chama-se Caralhotas da Caldeira, fica numa rua estreita, próximo da praça de touros e é onde também faz o pão.
A loja está repleta de memórias, antigos instrumentos para a confeção do pão, fotografias, recortes de jornais e muitos sacos de pão, como antes se guardava o alimento.
A escassez de produtos do passado foi ultrapassada pela diversidade de caralhotas que produz agora, muito a pensar nos turistas que têm sido a sua principal clientela.
“As pessoas diziam-me que eu sabia fazer várias coisas e comecei a fazer a caralhota doce que é recheada com canela, maçã e noz, é muito boa. Faço ainda de torresmos, outra versão é de azeitona, orégão azeite e alho, e também só com alho, farinheira, chouriça e temos a caralhota da pedra. É a última e é muito boa.”
Dona Emilia vai inovando, mas na altura em que falei com ela tinha um problema. A continuidade do negócio. “Eu tenho muitos filhos só que cada um tem o seu emprego e estão com pouca vontade. É uma pena. Eles falam para eu continuar a cozer pão. Mas tenho uma neta que está muito perto disto. Sabe vender, não tem problemas quando eu vou vender para as festas, sabe os preços, sabe tudo. Já me disse, um dia quem pega nisto sou eu.”
Devido à idade D. Emilia já não coze o pão de madrugada. Por dia Dona Emilia ainda põe as mãos na massa para fazer três fornadas de pão.
Caralhotas de Almeirim para saborear com a D. Emilia faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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