O Museu do Território da Gândara fica numa antiga escola primária em Mira e é um excelente ponto de partida para uma das mais notáveis obras de engenharia florestal em Portugal: a Gândara.
Está a fazer um século. Cerca de 500 km2 de área, uma faixa no litoral entre as Gafanhas da Ria de Aveiro até à Serra da Boa Viagem, junto à Figueira da Foz, eram dunas e desertos de areia. Foram transformados numa das maiores manchas florestais em Portugal Continental. Toda esta região corresponde à Gândara.
A designação é “sinónimo terreno quase estéril, areias soltas e que não produz. Era uma faixa de 6 a 7 Km de areias que se moviam. Tudo isto era um completo deserto. De areias que cada vez mais invadiam o interior e que soterravam as terras de cultivo.”
A explicação é de Brigite Capeloa, responsável pelos Serviços de Educação, Cultura e Desporto da Câmara de Mira. Ainda nas suas palavras, “apesar de ser um território inóspito, teve vários núcleos de povoamento. No meio destas grandes áreas de areias havia pântanos, mosquitos, febres e a mortalidade infantil era muito grande. Era um território que se mantinha quase ermo, como diz Carlos de Oliveira.”
Por ser tão inóspita a Gândara só no século XVI começou a ter pequenos povoados que viviam de forma penosa o dia a dia.
Uma situação de pobreza que se arrastou até meados do século XX e que é descrita com imensa sensibilidade pelo escritor Carlos de Oliveira que viveu muitos anos em Febres, no concelho de Cantanhede.
Seguimos ainda as palavras de Brigite Capeloa para nos centramos na grande alteração da paisagem iniciada com a florestação. As primeiras tentativas de fixação e arborização das dunas foram no século XIX e a etapa com maior sucesso foi o Plano de Povoamento Florestal concluído em 1938.
“É quando os Serviços Florestais desenvolveram a nível nacional uma politica de florestação e veio para Mira o Regente Florestal Manuel Alberto Rei que teve a seu cargo o plano de fixação das dunas e depois a arborização de toda esta faixa. Talhão a talhão.” Uma tarefa grandiosa.
“Teve de se trazer o mato, porque não existia, desde a serra do Bussaco, com o transporte em carros de bois. A primeira tarefa era carregar mato, depois abrir um rego, colocar o mato para servir de alimento à semente. Eram várias sementeiras. De Pinheiro, eucalipto, acácia…
Abriram as valas para drenar os pântanos. Feita a sementeira foi necessário cobrir o terreno com mato para proteger as sementes do sol e do vento”.
Quem percorre as estradas florestais à beira mar ou sobe ao miradouro da serra da Boa Viagem encontra uma paisagem verde dominada por pinheiros.
Escreveu Jaime Cortesão, na Batalha das Dunas, na obra Portugal, a Terra e o Homem, que “sobre as altas vagas de areia nasceu a espuma verde do mato e os pinheiros, escuros e rugoso, afundam as raízes”.
O homem mudou completamente a paisagem “e as condições de vida da população. A Gândara, como hoje a vemos nesta paisagem rica e verdejante, é fruto e uma conquista do homem.”
A rotina da Gândara mudo muito, mesmo na identificação regional.
“Até aos anos 40/50 temos relatos de pessoas que ao irem para grandes cidades como Lisboa e Porto, ninguém dizia que era da Gândara. Afirmavam que eram de Coimbra ou de Aveiro. Ser gandarês era sinal de ser pobre. Hoje é com algum orgulho que dizemos que somos gandareses.
Eu, por exemplo, sou do Seixo, uma pequena aldeia do município de Mira e tenho muito orgulho em ser gandaresa porque enalteço o trabalho que os meus antepassados fizeram. Conseguiram desbravar e transformar este território numa área completamente diferente.”
Mesmo num plano mais vasto, a própria natureza aproveitou o trabalho do homem. “Além de termos a costa, dunas, floresta, zonas húmidas e áreas agrícolas, estamos numa zona de transição de climas. Mais para sul há mais influências mediterrâneas, isso propicia uma grande quantidade de espécies que em poucos lados conseguimos encontrar tanta quantidade como aqui.”
É esta diversidade que podemos testemunhar no Museu do Território da Gândara. “O Museu tem desde a sua origem três áreas distintas. É um museu pequeno, com duas salas dedicadas à mostra permanente. Fazemos uma viagem no tempo para se perceber que a Gândara não é recente.
Pensava-se que seria mais recente, resultado do afastamento do mar e que ficaram as areias. É bastante antiga e vamos fazer essa viagem no tempo numa sala. Depois, temos aspectos mais sociais e culturais, elementos antropológicos e sociológicos da cultura do homem desta região.”
A casa típica da Gândara, os palheiros, a arte Xávega, o vestuário local e os caretos de Lagoa são outras facetas do legado do povo da Gândara que podemos descobrir no museu.
A Gândara é uma obra notável da engenharia florestal em Portugal faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.