O Palácio das Necessidades em Lisboa é um dos locais com maior carga simbólica sobre a vida dos últimos reis de Portugal, a Monarquia Constitucional, o início da atividade parlamentar e também a aposta nas artes e na ciência.
Uma visita ao Palácio mostra muitas marcas de um tempo que se vai reconstruindo com peças de arte, tapeçarias e decoração de interiores.
O percurso leva-nos ainda a longos corredores, com vários arcos, colunas e tetos decorados com desenhos em estuque. Passamos pelo Quarto das Rainhas, a Sala das Damas das Rainhas, a sala de música e baile de D. Maria II e a fantástica sala de jantar de D. Manuel II. Ainda hoje é utilizada para conferências, reuniões e refeições oficiais.
Mas não se pense que a vida no Palácio foi apenas de charme. O Palácio foi também lugar de infortúnio. Foram tantas as mortes prematuras de reis e rainhas, que em meados do século XIX, D. Luís mudou de residência mais toda a família real.
Na verdade, até a origem do Palácio é marcada pelo infortúnio de D. João V, que era regularmente acometido de crises de saúde. Como nos conta o embaixador Manuel Côrte-Real, estudioso e autor de publicações sobre o Palácio das Necessidades, o rei recorria com frequência à imagem de Nossa Senhora da Saúde, que estava numa pequena capela na zona de Alcântara.
“D. João V era tão devoto que a levava frequentemente para o seu quarto, no Paço da Ribeira, quando estava indisposto ou doente. A última vez ficou lá 8 anos, com grande protesto dos devotos da imagem e fiéis que aqui se juntavam nesta capela para o culto à Virgem.”
Mais tarde, agradecendo a recuperação da saúde, D, João V mandou contruir uma residência junto à igreja para que quando estivesse doente, ou membros da sua família, pudessem vir para junto da imagem.
“Mas o projeto, como sucedeu algumas vezes com D. João V, não lhe pareceu suficiente e decidiu contruir um convento para ter uma ordem religiosa que lhe ministrasse os sacramentos e assegurasse o culto na capela.” Escolheu uma ordem de ensino para se criar aqui uma escola. “Concretizou-se esse desejo com a escola dos Padres Oratorianos, da Ordem do Oratório de São Filipe Neri
Esta escola foi muito frequentada. Por pessoas de alto nível social. Curiosamente também aqui estudaram Alexandre Herculano e Almeida Garrett e se referiram ao ensino de grande qualidade dos padres Oratorianos.”
Com o fim das ordens religiosas o convento passou a ser utilizado como residência real. Foi transformada a decoração.
Chegam até hoje corredores e salas do antigo convento como também a enorme cozinha.
Os convidados estrangeiros do Ministério dos Negócios Estrangeiros passam mesmo ao lado da sala e nem imaginam a decoração toda em azulejos no interior do enorme espaço.
Azulejos com desenhos de objetos e animais nas paredes e milhares de estrelas que decoram o teto ondulado.
Praticamente todo o conjunto arquitetónico, a igreja, o convento e a residência real, chega aos dias de hoje. O terramoto de 1755 não causou danos. No entanto, só alguns anos depois é que a residência passou a alojar a família real.
Foi D. Pedro e D. Maria II em 1834 que morreu em 1853. “D. Pedro casou 5 anos depois e pede ao pai, D. Fernando, que passe a residir no convento que estava desocupado. Ele passou a viver aqui com a sua nova rainha, D. Estefânia, que morreu um ano e meio depois do casamento.
D. Pedro V também morre a seguir com dois irmãos. D. Luis e a família real abandona esta casa porque provoca azar, é nociva para a saúde das pessoas e muda-se para a Ajuda. Aí ficou até morrer.”
O Palácio só volta a ser ocupado pela família real com D. Carlos e D. Manuel II, até 1910. No dia da implantação da República é alvo de um tiro.
“Quando cede a Monarquia, o Adamastor, um vaso de guerra que estava no Tejo, (a Marinha foi o primeiro braço armado apoiante da República) bombardeou uma sala do palácio. Destruiu parte da sala. O rei já tinha ido para Mafra.”
Com o fim da República o Palácio é esvaziado. Muitos dos bens pessoais são reivindicados por D. Manuel II, no exilio, e muitos deles, posteriormente, seguem para o Palácio de Vila Viçosa. A antiga residência real é mais tarde adaptada para novas funções.
“O palácio ficou fechado, foi retirada a mobília e distribuída por outros palácios e museus. Em 1916 o Ministério dos Negócios Estrangeiros ocupou a residência do palácio.”
O convento tinha sido entregue ao Quartel Geral de Lisboa, que entretanto mudou para Palhavã, também em Lisboa. É a partir dessa altura, 1952 que o MNE ocupa também o convento.
Na história do Palácio das Necessidades destaca-se o facto de ter sido o primeiro Parlamento em Portugal. Mais curioso ainda porque o espaço era partilhado com o palácio real. Estávamos na Monarquia Constitucional.
Há pouco mais de um século a atividade política é dirigida para os assuntos externos e o Palácio continua a ser um ponto de confluência de personalidades políticas internacionais.
Por sua vez, a Tapada das Necessidades foi transformada em Jardim Publico, mas ainda podemos lá ver a estufa circular em vidro e ferro, com uma cúpula, mandada construir por D. Pedro V para a sua mulher, a rainha D. Estefânia.
O Palácio das Necessidades do infortúnio e do primeiro Parlamento faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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