O Café Central faz jus ao nome e nas últimas décadas continua a ser um dos pontos de encontro da vila. Preserva mobiliário antigo e também muitas memórias como a de um notário que “distribuía” carolos e caldinhos aos miúdos que entravam no café.

Quando fiz a quarta classe convidei alguns amigos e fomos celebrar no reservado de madeira do café Central de Penamacor. Num piso ligeiramente superior, ao lado do balcão.

Meio século depois está igual. Como também o pequeno mezanino que fica ao fundo e esconde as escadas para o salão de jogos com o bilhar.
O acesso ao mezanino, pela estrutura e pelo uso que a madeira revela, evidencia que ainda será a antigo.
O salão de jogos era de acesso reservado e a ordem era cumprida. Só os adultos podiam ir ao “poço”, como era chamado na altura, porque na cave teria existido um poço, como recorda José Manuel Batista no seu livro de contos O elogio dos últimos. Um dos contos é dedicado a Penamacor, a sua terra natal, e intitula-se “O Poço”.

As memórias ganham forma precisa e o testemunho de João Cunha, professor e Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Penamacor, certifica que o tempo não passou por aqui. “Algumas partes são originais. O balcão está modificado. Mas na essência, os reservados estão iguais.”

O aparelho de TV está mais ou menos no mesmo sítio. Fixo na parede.
Agora é a cores. Há meio século atrás era a preto e branco e era um dos poucos aparelhos que existia em toda a vila. Era por onde nos chegava o Mundo, que tinha um dia especial para a criançada. “Domingo, a partir das 15h, quando dava a série Bonanza. Havia poucas televisões em Penamacor. Provavelmente três ou quatro e quase todas nos cafés.”
Na maior parte dos dias a criançada não podia entrar e como conta José Manuel Batista, ficavam com os olhos colados à vitrine do café para verem algumas das séries preferidas da TV. Mas vigilantes por causa do dr. Lebre.

O vidro grande permanece e e continua a ser a janela do café para a praça em frente que ganhou novo nome. O Largo 25 de Abril, de certa forma, traduz a alteração da clientela do café. Como salienta João Cunha, “o acesso democratizou-se. Antigamente era mais reservado a pessoas com estatuto social mais elevado. Hoje, felizmente, não há essa estratificação e o café continua a ser um ponto de encontro”.

As alterações sociais e demográficas verificam-se também através do falar e modo de vestir de alguns clientes. Quando nos sentamos na esplanada registamos rapidamente a diferença.
“No dia a dia encontramos membros das comunidades estrangeiras que frequentam os cafés de Penamacor.”

De todos os clientes há um que está sempre presente na memória de quem frequentava o café Central no inicio da década de 70. Tinha um cartório em Penamacor, mas a maior parte do tempo passava-o no Central, em particular junto da porta principal.

“O dr. Lebre passava o tempo a fumar e a dar caldinhos, uma pancadinha na cabeça, e também os carolos. Às vezes dava umas moedas, por vezes esquecia-se.” João Cunha diz que se “lembra bem da figura em si e, por fumar muito, tinha os dedos completamente amarelos.”

O caldinho, a pancada ligeira de mão aberta no pescoço, correspondia a uma moeda. O carolo, a batida dos dedos com a mão fechada, na cabeça, era mais caro. Mas, na verdade, muitas vezes tínhamos de estar atentos para fugir do permanente divertimento que lhe dava e, geralmente, sem qualquer moeda de retribuição.
José Manuel Batista, no conto dedicado ao “Poço”, acrescenta que uma das melhores oportunidades era quando os miudos iam ver a televisão. “O doutor Lebre rejubilou por os ter ali à mão. Mal se concentraram na aventura, o predador abeirou-se, passou o cigarro para a mão esquerda e despachou uma caldaça no que lhe pareceu mais incauto. Depois, como se nada tivesse acontecido, acendeu um novo cigarro com o que então terminara e prosseguiu a marcha, para a frente e para trás, ao longo do balcão.”

Na porta onde o dr. Lebre costumava parar, na cantaria de granito, está inscrita a data de 1957.
O largo era ponto de passagem na vila e em frente do café havia uma estação rodoviaria, onde paravam as camionetas de transporte de passageiros.

Há muito tempo que mudou de ramo, mas permanece colado no granito da fachada a inscrição Garagem Petronilho. Combustíveis e lubrificantes.
O casario do largo é predominantemente de granito, tal como o edifício de dois pisos do Café Central.


Penamacor: o Café Central de memórias e caldinhos faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

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