O percurso começa no Lago Tana, a nascente do Nilo Azul. Depois, seguimos o percurso do rio, atravessamos a “Ponte Portuguesa” e seguimos a pé até às cascatas “Água que Fumega”, uma das maiores no continente africano e onde o Nilo Azul ganha imensa beleza com a névoa da espuma provocada pela queda de 45 metros.

O Lago Tana, a nascente do rio Nilo Azul, também conhecido aqui como o Abay, fica junto a Bahir Dar, uma das principais cidades da Etiópia.

Os portugueses foram dos primeiros europeus a testemunharem a beleza desta região e tiveram uma forte influência na religião, cultura e arquitetura militar e civil.

O Tana é o maior lago da Etiópia e remete-nos para lugares onde são visíveis a influência portuguesa e que se cruzam com mitos e a ciência que durante séculos procuraram descobrir e explicar a nascente do rio Nilo.

O Lago Tana tem uma área de mais de 3 mil km2, com cerca de 80 km de comprimento e mais de 60 km de largura. Tem uma forma redonda “desenhada” por atividade vulcânica que criou uma barreira natural.

Só tem uma saída. Como escreve o missionário jesuíta Pedro Pais, que por ali andou no século XVII, o lago Dambia (como na altura o designavam) enche “com muitas águas que entram ali” de vários rios e ribeiras e não sai “mais nenhum outro rio”.

Na viagem de barco, a partir de Bahir Dar, temos a noção da vastidão de água e, se tivermos sorte, encontramos hipopótamos.
Há no lago uma das maiores concentrações nesta zona de África. O Lago Tana foi classificado pela UNESCO como Reserva da Biosfera.
O horizonte é aberto, algumas embarcações são pontos na água e, mais próximo das margens, assistimos a gente a tomar banho, e encostas com caminhos para muitas igrejas e mosteiros.
Uma das mais conhecidas e de mais fácil acesso é a Ura Kidane Mihret.

A atual forma circular é do século XVI e as paredes estão cobertas de pinturas com cenas bíblicas.
O meu guia, recorrentemente associava os portugueses a alguns momentos relevantes da história da Etiópia e o contributo para a continuidade do património cultural e religioso do país que há vários séculos está rodeado de países maioritariamente muçulmanos.

Como em muitos outros templos da Etiópia é-nos facilitado o contacto com quem toma conta da igreja e o principal responsável religioso.
A igreja destaca-se ainda pela exposição de vários trajes de religiosos.

A Ura Kidane Mihret é uma das muitas igrejas cristã ortodoxas que encontramos na Etiópia e faz parte de um universo de cerca de 30 templos localizados nas ilhas e nas margens do lago Tana.
Em alguns deles encontravam-se os restos mortais de imperadores da Abíssinia.

A Ura Kidane Mihret está numa península e o acesso é feito por um caminho rodeado de vendedores.
Um pouco mais à frente vemos a ilha de Dek. No outro extremo do lago está Gorgora com construções feitas por jesuítas. Foi onde morreu Pedro Pais em 1622.

“Ponte Portuguesa”
A sul de Bahir Dar (a cerca de 35km) um dos pontos de interesse é a chamada “Ponte Portuguesa”.
Na verdade, foi construída no final do século XIX e é toda em pedra, o que poderá estar na origem do nome pela qual se tornou popular. Os portugueses contribuíram para a mudança da arquitetura e dos materiais de construção de casas e estruturas defensivas.

A ponte faz a ligação a Tiss Abay onde todas as semanas há um mercado. São centenas de pessoas que atravessam a ponte com animais e alimentos para venderem no mercado.
Numa manhã assisti a esta travessia com imagens inesquecíveis.

Da ponte temos também uma perspetiva interessante do rio e do estreito.
Caminhámos em sentido contrário para outro cenário espetacular.

No percurso por caminhos de terra batida fazemos a travessia por cima de um estreito numa ponte pedonal suspensa com o comprimento de 81 metros e construída em 2011.

É ponto de encontro com muitas crianças que aguardam por visitantes. Como em muitos outros lugares da Etiópia ficam imensamente felizes se lhes oferecermos lápis e canetas.

Cascatas de Tis Isat “a água que fumega
No caminho conseguimos avistar as cascatas do Nilo Azul que têm 45 metros de altura.
São das mais imponentes em África. Também impressionou Pedro Pais. Descreve na sua História da Etiópia que a água cai a pique por rochas que terão de altura catorze braças (cerca de 30 metros) e no inverno a queda “levanta a água como fumo no ar, tanto que se vê de muito longe”.
Devido a este efeito a queda de água é também conhecida como Tis Isat– a “água que fumega”.

Um outro missionário, Joaquim Lobo, caminhou por debaixo da cascata.
Há 400 anos andou por esta região da Etiópia e pode-se ler no seu relato de “Viagem à Abissínia”, que a queda de água “forma uma das mais lindas cascatas do mundo. Passei por baixo dela sem me molhar; e descansei lá, por causa do fresco.

Fiquei encantado com os mil arco-íris deliciosos, com os raios de sol pintados na água, em todo o seu brilho e vivacidade de cores.
A queda desta poderosa corrente de tão grande altura emite um ruído que pode ser ouvido a uma distância considerável. (…). A névoa que sobe desta queda de água pode ser vista muito mais longe do que o barulho pode ser ouvido.

Depois desta cascata, o Nilo novamente recolhe ao seu riacho disperso entre as rochas, que parece desmembrarem-se para lhe permitirem a passagem.”
A época das chuvas é entre Julho e Outubro.

O Nilo Azul junta-se no Sudão, em Cartum, ao Nilo Branco e fundem-se no rio Nilo que desagua no Mediterrânio. Em comprimento é o maior rio do planeta.

O mito do rei Preste João influenciou significativamente o mundo cristão, em particular Portugal. Reis, nobres e clérigos tiveram uma procura quase “obsessiva” pelo rei da Abissínia. No século XV, entre outros objetivos de espionagem de preparação da viagem marítima para a Índia, Pêro da Covilhã ficou incumbido de seguir até à Etiópia para contactar o imperador católico.

De facto, concluiu a viagem, mas acabou por ficar por lá. Relatos posteriores afirmam que decidiu casar e passar o resto da sua vida na Etiópia.
Aqui encontra mais informação sobre Pêro da Covilhã.
Seguiram-se várias delegações, em particular de missionários. Há ainda registo da presença de militares. Um deles, Cristóvão da Gama, filho de Vasco da Gama, faleceu também na Etiópia.

Ver ainda:
Repositório das Cartas da Etiópia na Universidade do  Minho.
Entrevista de Leonídio Paulo Ferreira, do DN a Worku Belachew, diretor do The Ethiopian Herald, jornal em língua inglesa de Adis Abeba (2023)
O antropólogo Manuel João Ramos tem várias publicações dedicadas à Etiópia

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