A Ericeira tem cerca de uma dezena de praias e para todos os gostos. Umas protegidas por arribas e formam anfiteatros naturais. Outras em enseadas.
A maioria a fazer frente ao impetuoso vento marítimo e, por vezes, a serrar o mar, como diz José Manuel Lourenço, homem do mar, natural da Ericeira e gosta de ver o desafio dos surfistas.
“É muito para malta nova embora nós gostamos de ver porque nunca fizemos. Nós somos ao contrário. Fugimos sempre do mar a serrar e eles andam em cima dele, é ao contrário.”
O surf é uma das marcas da Ericeira. A costa nesta zona está classificada como Reserva de Surf e a bonita praia Ribeira de Ilhas é o epicentro, com provas que integram campeonatos mundiais.
A estátua no miradouro, ao lado das escadas para a praia, corporiza bem o desafio, com um olhar frio e metálico em direção ao mar imenso que se avista daqui.
A adrenalina expande-se até ao interior da vila.
“Anda muito mais gente a viver do turismo, em particular na área relacionada com o surf. Envolve muita coisa. Os carros para os levar, as hostels, o alojamento local… tudo isto cresceu muito com o turismo. Por causa disso é que há tanta gente. Se fosse só a pesca não havia tanta gente.”
Ainda na opinião de José Manuel Lourenço, o frenesim na Ericeira contribuiu para uma maior agitação “mas considero que ainda é uma terra sossegada.”
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A rotina da vila sofreu uma profunda alteração nas últimas décadas, nada tem a ver com o ambiente descrito por Ramalho Ortigão no final do século XIX. Uma das maiores diferenças é a quantidade de pessoas. “Nem calcula quanto mais! Se Ramalho Ortigão falava em 700 fogos, hoje talvez devam ser 50 mil.”
Mantém-se uma das características sublinhadas pelo escritor, de que muitas das pessoas da Ericeira viviam da atividade marítima.
“Da pesca, sim. Por exemplo o nosso pai era pescador, nós andámos na marinha mercante e fizemos uma vida de mar. Praticamente que a Ericeira vivia do mar. Ainda hoje há muita gente ligada ao mar. As pessoas de cá. Se hoje fizermos uma caminhada ao fim da Ericeira, encontramos duas ou três pessoas que são de cá.” José Manuel Lourenço, adianta que a actividade marítima preponderante “talvez seja mais pesca. Houve uma fase que era mais marinha mercante, mas, se calhar, hoje é outra vez mais pesca. Artesanal ou à costa.”
A quantidade de residentes e a dinâmica do turismo anulou a profunda diferença na rotina da vila entre o verão e o inverno. “Ainda varia um pouco mas nada que se compare com há meia dúzia de anos atrás.
Hoje a Ericeira tem muita gente, mesmo de Inverno. Muitos estrangeiros, essencialmente ligados ao surf . Há meia dúzia de anos atrás, pelo menos entre Novembro e Março, era muito mais sossegado.
José Manuel Lourenço tem quase 70 anos e na altura em que falei com ele estava com o irmão próximo da bonita ermida de S. Sebastião, não muito longe do Bairro dos Pescadores.
Nesta zona e na área urbana ao longo da costa, ainda encontramos ruas estreitas à procura do mar e decoradas com casas pequenas, pintadas de branco. Tal como descreve Ramalho Ortigão, no final do século XIX, as ruas “estão escrupulosamente varridas como as de um jardim” e “se excetuarmos Olhão, no Algarve, é esta terra mais asseada de Portugal”.
Ramalho Ortigão ficou encantado com a Ericeira e além do fascínio de ter espreitado para o interior de algumas casas e ter visto livros – “caso extraordinário e raríssimo em Portugal, onde nas pequenas casas da província o livro é um luxo que ninguém permite” – diz que a comunidade local é pacifica e abastada.
Uma opinião que ainda hoje tem acolhimento. “Sim, na Ericeira sempre se ganhou para comer. Ninguém era rico mas toda a gente tinha comida na mesa. Quando éramos pequenos, o nosso pai era pescador e as coisas eram assim. Vivíamos no bairro dos pescadores, foi lá onde nasci, e tínhamos comer na mesa.”
Ramalho Ortigão descreve uma diferença socioeconómica entre a parte norte da vila, a zona dos pescadores e a zona sul. “Exatamente. A parte norte era a dos pescadores, a mais pobre.
A parte sul das pessoas que trabalhavam noutras áreas e que tinham uma vida diferente. Hoje é diferente. Tanto há ricos aqui como lá, ou pobres. É igual. Hoje no Bairro dos Pescadores moram poucos pescadores. Hoje são casas valiosas. Naquela altura eram casas baixas, com quintal…, hoje têm muito valor. São casas boas, é diferente de viver num andar, de maneira que hoje moram muitos poucos pescadores no bairro.”
Basta abrir um pouco o sol e vemos logo pela diversidade de pessoas, costumes, objetos e bronzeados como a pequena vila piscatória se tornou cosmopolita.
Ericeira, “depois Olhão, é esta terra mais asseada de Portugal” faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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