Há uma profunda relação entre Setúbal e Bocage que nasceu aqui em 15 de Setembro de 1765. O dia de aniversário é feriado municipal em Setúbal e é provavelmente a única cidade em Portugal onde essa honra é atribuída a um poeta.
Conforme nos adianta José Luís Catalão, responsável pelas bibliotecas e museus municipais de Setúbal, “Bocage é um poeta muito especial, carismático e muito popular” e em vários locais de Setúbal assistimos à relação especial com o poeta. “Escolas, ruas, praças, cafés, uma festa e, por outro lado, a Biblioteca e o Museu desenvolvem iniciativas de modo a aprofundar o conhecimento sobre o poeta”.
Um dos lugares de maior destaque é a Praça Bocage, o coração da cidade. Bocage é evocado com uma estátua, a praça tem o seu nome e há um café que adotou o apelido do poeta e também alguns poemas que estão escritos nas paredes.
“Há mais referências o que leva a população de Setúbal a ter conhecimento da obra de Bocage. O poeta é também utilizado de forma sarcástica com as pessoas a contarem anedotas sobre ele. Sendo que, muito provavelmente, a maioria não são verdadeiras. Mas é bom que se fale de Bocage para não cair no esquecimento.”
Do ponto de vista histórico e social há também razões para uma forte identificação de Setúbal com Bocage. A cidade tem ao longo da sua história uma forte tradição revolucionária. Desde 1580 em que apoiou o Prior do Crato e não alinhou com a maioria no suporte a Filipe I de Espanha, até à implantação da República onde a cidade foi um bastião antimonárquico. Esta história comunga com os traços rebeldes de Bocage.
A Casa Bocage em Setúbal é um dos lugares onde podemos encontrar informação mai detalhada sobre esta relação. A Casa fica num bairro histórico, próximo do Museu do Trabalho e o objetivo é dar a conhecer o pensamento de Bocage, a sua obra e o seu percurso pessoal e poético. Há uma exposição de longa duração onde com informação detalhada e cronológica.
A Casa Bocage tem ainda um centro de documentação e vários objetivos alusivos ao poeta como pacotes de açúcar ou uma nota de 100 escudos que tem a esfinge de Bocage.
Até há pouco tempo atrás chamava-se “Casa de Bocage”, porque se acreditava que seria o local de nascimento do poeta. No entanto, estudos recentes revelam que nasceu noutro lugar, junto à igreja de Santa Maria da Graça.
A explicação que nos foi dada por José Luís Catalão remonta à altura em que o pai de Bocage esteve preso em Lisboa durante seis anos e a detenção coincidiu com problemas familiares. Tiveram de vender a casa em hasta pública. Bocage teria nascido na casa da avó mas a versão da História que prevaleceu remete para a Casa Bocage. Este é um exemplo “de que há muito mais documentação para investigar. Por exemplo, só recentemente se descobriu que Bocage viveu três anos em Beja”.
A Casa Bocage é o ponto final de um roteiro para descobrir Bocage e a sua época cuja proposta nos é sugerida no Museu do Trabalho. Começa na Praça Bocage e a visita tem de ter em conta a bonita igreja de S. Julião que foi reconstruída após o terramoto e quando Bocage vivia em Setúbal. Segue-se o centro histórico e o Quartel do 11 onde Bocage começou a vida militar.
O caminho vai depois na direção de Santa Maria, à casa da avó onde afinal Bocage terá nascido. “Segue-se Palhais, o lugar onde nasceu e viveu o pai e depois a subida ao miradouro. Ele foi batizado aqui, na ermida de S. Sebastião que já não existe. Poucos metros depois é a Casa Bocage”.
Um aneurisma pôs fim à vida curta de Bocage, morreu com 40 anos, em 1805.
Retrato próprio:
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste da facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Na Casa Bocage pode ainda ver um espólio muito interessante do fotógrafo sadino Américo Ribeiro. O arquivo fotográfico revela a realidade sócio-económica em Setúbal em várias décadas do século passado.
Aqui pode ver mais informação sobre Bocage na Biblioteca Nacional
Porque Bocage se sente em casa em Setúbal faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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