A comunidade judaica foi uma lufada de ar fresco na cidade e ainda hoje se registam as marcas que deixaram em particular nos lanifícios.

A judiaria na Covilhã estaria localizada na rua das Flores, no centro histórico da cidade.
Hoje a rua tem muitas casas de dois ou três pisos com a tradicional porta grande e porta pequena.

Uma destaca-se com uma janela manuelina e outras têm no interior uma passagem que permitia o encontro discreto na sinagoga.
A rua está a ser renovada e algumas casas estavam em restauro quando da minha visita. Mostraram-me uma dessas passagens que foi agora descoberta quando realizavam obras na casa.
A presença dos judeus remonta ao século XII e nos séculos XV e XVI foi uma das mais relevantes em Portugal. “Muitos fugiram de Espanha, dos Reis Católicos. Fixaram-se na zona de fronteira por uma questão de proteção.” A explicação é de Elisa Pinheiro, investigadora de História Contemporânea e antiga diretora do Museu dos Lanifícios da Universidade da Beira Interior.

Ainda nas suas palavras “a judiaria da Covilhã era uma das mais importantes entre o Douro e o Tejo e era a primeira na Beira Interior. Em número de habitantes e também em valor económico. Estas duas caraterísticas mostram que era uma comunidade forte.”

Elisa Pinheiro referiu-me ainda um bairro anterior ao apogeu da presença dos judeus. Terá sido a primeira judiaria. Acede-se pela rua António Augusto de Aguiar, por uma passagem estreita. É da largura de uma porta de um dos prédios. Depois somos surpreendidos por um aglomerado de pequenas habitações onde viviam os judeus entre passagens apertadas. Algumas das casas ainda têm a traça original e são habitadas.

A fuga de Espanha para Portugal trouxe uma vaga de judeus letrados e com conhecimentos inovadores para a época em várias áreas do saber, como por exemplo, na cosmografia. “Por exemplo o mestre José Vizinho cujo conhecimento foi relevante no processo da expansão marítima. Há também os Bolama e outros homens.

Pero da Covilhã
Pero da Covilhã

Mais tarde, um neto de José Vizinho é o médico de D. Sebastião e foi nomeado com o Pedro Nunes, como consultores, para se pronunciarem sobre a reforma do calendário juliano que passou a gregoriano”. Em várias etapas dos Descobrimentos encontramos a marca de muitos deles.
O que hoje chamamos de redes de conhecimento, de certa forma, já os judeus desenvolviam com troca de informação entre membros da comunidade dispersos por vários países.

Uma outra área de conhecimento que os judeus desenvolveram na Covilhã e que é uma marca que chega aos nossos dias é nos lanifícios. “Desempenharam um papel fundamental.” As condições naturais oferecidas pela serra da Estrela – agua e pasto para ovinos – propiciaram o desenvolvimento da produção doméstica e já tinha algum grau de especialização.

“A partir do século XV passa a ser mais especializada, sobretudo com a iniciativa dos cristãos novos de criarem oficinas de acabamentos. O tecido é apurado ao nível da última fase. É aí que nós vemos prosperidade nos lanifícios. São essas oficinas que vão tonar o processo mais complexo e vai dar origem às fábricas.”

Todo este processo e a influência dos judeus deixa uma herança que chega aos dias de hoje e que foi reforçada com a revitalização da Judiaria da Covilhã em 1929. “Muitas famílias de cristãos novos participaram na obra do capitão Barros Basto. Algumas dessas famílias ainda se mantêm e há testemunhos patrimoniais. No presente alguma das mais importantes fábricas de lanifícios tiveram origem em cristãos novos do século XIX.”

Câmara Municipal da Covilhã
Câmara Municipal da Covilhã

A revitalização da comunidade judaica, em junho de 1929, chegou a ter seis mil cripto-judeus. Com o novo regime, implantado a partir de 1932, desapareceu mais esta oportunidade de uma presença forte de judeus na Covilhã e nem sequer resistiu a nova sinagoga entretanto construída, próximo da igreja de Santiago.
Ficaram alguns nomes, memórias de rituais, a herança dos lanifícios e um forte contributo científico para a epopeia dos Descobrimentos.

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A judiaria da Covilhã e a herança que chega aos dias de hoje faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

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