O Zêzere é um rio que espelha bem a identidade de ser português.
Em primeiro lugar é errático. Basta olhar para a grafia do seu nome ou para os fantásticos meandros entre a barragem do Cabril e a aldeia de Álvaro.
O Zêzere nasce num Cântaro da Serra da Estrela e a foz é o Tejo, o maior rio da Península Ibérica.
Percorre caminhos de granito e xisto, vê nascer e arder pinheiros e eucaliptos, foi companheiro de pastores e inspirou poetas como Camões.
O segundo maior rio inteiramente português, foi domesticado por duas grandes barragens, Cabril e Castelo de Bode.
A força para controlo do rio foi no passado motivo de luta entre os Templários de Dornes e os “infiéis”, num dos locais onde o Zêzere propicia uma das mais belas paisagens. No entanto, a Reconquista não eliminou um dos legados árabe, o Rio das Cigarras, a origem do nome do rio Zêzere.
A nascente é no alto da Serra da Estrela, a cerca de 1900 metros de altitude. Desce próximo do Cântaro Magro e ganha um encanto promissor quando atravessa o Covão da Ametade.
Corre sereno, no meio da clareira verde e entre bétulas ou vidoeiros brancos, cujos ramos arredondados refletem-se no rio e parecem círculos no espelho de água. É um ambiente romântico. “É um sitio mágico. Estas árvores à beira do rio, ao fim do dia, com o pôr do sol, tiram-se boas fotografias”, diz um profundo conhecedor do local.
Samuel Passos é monitor de montanhismo e escaladas e refere que, a partir do Covão da Ametade, não é difícil chegar à nascente, é “seguir um trilho ao lado do rio Zêzere. Segue sempre ao lado direito do Cântaro Magro, até chegar ao Covão Cimeiro.”
No Covão da Ametade o rio Zêzere assemelha-se mais a um ribeiro. Começa a ganhar força logo a seguir, quando percorre os 13km do vale glaciar até Manteigas.
Depois de descer quase mil metros, em Valhelhas, torna-se gracioso, numa praia fluvial muito procurada no verão. Embora a água continue fria.
A água do Zêzere aqui manifesta-se pura, transparente, bem diferente da forma como a vemos na Barroca, depois de passar as escombreiras e a Cabeça do Pião, nas minas da Panasqueira.
Alguns quilómetros depois, nas praias fluviais de Janeiro de Cima e de Janeiro de Baixo já vemos o rio regenerado.
Recebe a ajuda de outros afluentes. Num deles, na foz do Alge, no concelho de Figueiró dos Vinhos, onde temos um excelente miradouro.
Entretanto, deleita a paisagem com os famosos meandros. Do miradouro de Álvaro ou um pouco mais à frente temos vistas magnificas do rio a contornar as serras e alargar-se quando contorna as encostas e forma largos espelhos de água.
Seguem-se duas albufeiras, a do Cabril e de Castelo de Bode.
O rio é mais sereno e num passado recente a vida das comunidades ribeirinhas era feita com travessias frequentes num abrangel.
É um barco tradicional que hoje o mestre José Alberto constrói e que, como ele diz, era a camioneta local. “Muitas pessoas iam para as hortas na outra margem, transportavam alimentos e até as cabras. Nessa altura praticamente cada família tinha um barco.”
Até chegar à foz o Zêzere abraça o rio Nabão e transporta o testemunho até ao Tejo.
O encontro é feito com os dois rios a terem um leito largo.
Cerca de 200 km depois de deixar o Cântaro Magro o Zêzere despede-se com o olhar atento de Luís de Camões. A estátua, que evoca a passagem do poeta por Constância, está de frente para o rio, próxima do miradouro. É junto a uma zona verde onde se pode caminhar junto ao rio e observar o “cristal puro” do Zêzere a juntar-se com o Tejo.
“Oh! Pomar venturoso
de teu fermoso peso
se mostra o monte ledo
e o caudaloso Zêzere te estranha
Porque olhas com desprezo
seu cristal puro e quedo
A Grande Rota do Zêzere acompanha uma parte significativa do percurso do rio.
Pode obter ainda um conhecimento mais aprofundado no Ecomuseu do Zêzere em Belmonte
Roteiro pelo Zêzere – o rio errático e das cigarras faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.