Os canhões fluviais do rio Erges e a fronteira com Espanha remeteram a aldeia de Segura para um profundo isolamento que teve a virtude de ajudar a preservar as tradições.

Queima do alecrim Sexta-feira Santa pela manhã. ©João Carreiro

Foi o caso de muitos ritos da Quaresma e da Páscoa.
Segura já foi um dos principais pontos de passagem da fronteira da arraia com Espanha.

A ponte romana num passado distante e vias rodoviárias mais recentes deram um impulso à povoação do concelho de Idanha-a-Nova que até chegou a ser sede de concelho.

Canhões do Erges

Mas teve sempre a marca do isolamento.
Este foi um dos motivos porque nos últimos século se mantiveram fieis a muitas tradições e  são exemplo ritos da Quaresma e da Páscoa.
António Silveira Catana investigador e autor de várias obras sobre a Páscoa no concelho de Idanha-a-Nova já assistiu a alguns desses rituais e, inclusive, comeu várias vezes peixe frito acompanhado de esparregado de ervas amargas que faz parte da ementa da Ceia dos Doze.

Ceia dos Doze em Segura na Quinta-feira Santa. ©João Carreiro

“Enquanto nas outras localidades se faz com bacalhau, em Segura a ceia é com peixe do rio. Passa ao lado o rio Erges e é onde está a mais bela ponte romana da Península Ibérica.” 

Ceia dos Doze em Segura ©Alexandre Martins Gaspar

Ainda na descrição de António Silveira Catana “o peixe frito  é acompanhado com o esparregado de ervas amargas. Este esparregado são as ortigas, lavaças… nove espécies diferentes que eles vão ao campo apanhar e que já comi em casas particulares.”  

Peditório pelos irmãos da Misericórdia de Segura para a Ceia do Doze. ©João Carreiro

Trata-se de uma tradição que deverá remontar à presença de comunidades judaicas – “a introdução do esparregado de ervas amargas terá sido feita pelos judeus que tiveram aqui uma presença muito importante. Os cristãos novos devem ter introduzido o hábito que ainda hoje se mantém.”

A Ceia dos Doze é também um ritual invulgar. São 12 irmãos da Misericórdia local que se juntam numa representação cénica da Última Ceia de Cristo. O Provedor da Misericórdia representa Cristo. Na leitura de António Catana, esta tradição é resultante da expansão das misericórdias pelo país, após a fundação da Misericórdia de Lisboa pela rainha D. Leonor, em 1498. Coube, então, às irmandades das misericórdias a organização das procissões durante a Quaresma.

Lava Pés em Segura ©Alexandre Martins Gaspar

Esta ligação foi perdida em quase todo o lado, mas em Segura manifesta-se em vários rituais. “Se for a Segura ou a Alcafozes vai ainda encontrar o lava pés feito pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia, na presença do pároco.”

Outra particularidade da Quaresma em Segura é a Procissão do Encontro que se realiza na quinta-feira santa. “Não conheço outro lugar no mundo onde se faz como em Segura. As pessoas da aldeia num momento solene, num silêncio de oiro, trazem três imagens de Cristo arvorado na cruz. Para o povo de Segura essas três imagens não representam Cristo. Só uma. As outras duas são os ladrões. No momento do encontro aparece a Senhora a caminhar do cruzamento da rua para o largo e surge a primeira imagem, que para o povo é um dos ladrões.

Procissão do Encontro ©Alexandre Martins Gaspar

Os irmãos da Misericórdia que seguram a imagem nos ombros ficam totalmente quietos, impávidos e serenos. Tudo isto num silêncio profundo. Entretanto, vem uma segunda imagem que também não é do próprio Cristo. Para eles é só um. Então, nesse momento, o homem que traz Cristo pendurado na cruz, genuflete. Ao mesmo tempo, os homens que trazem a imagem da virgem também genufletem. É uma representação cénica de um valor incalculável.”

Na visita a Segura é dispensado o esparregado de ervas amargas mas é obrigatório ir ver a ponte romana do século II, passear próximo do rio Erges e ver os canhões fluviais, uma garganta com dezenas de metros de altura. Tem também de subir ao castelo, ou fortaleza de Segura, para contemplar uma imensa paisagem da arraia.

Ver Roteiros no concelho de Idanha-a-Nova

A Páscoa em Segura com peixe frito e esparregado de ervas amargas faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.

2 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *