Raul Brandão e Carlos de Oliveira fizeram excelente descrições das casas do povo da Gândara.
Os palheiros junto à praia ou a casa gandaresa que fica no interior. Em tempos e estilos diferentes os dois escritores e cronistas sociais descreveram a pobreza dos materiais, a escassez de recursos e a tenacidade dos habitantes na sua luta pela sobrevivência.
Viver com o que se tem e o que se tinha era muito pouco.
A Gândara percorre a costa litoral entre Montemor-o-Velho até Vagos e até há cerca de um século este era um território pouco arborizado, quase só areal e lagoas.
Como escreveu Carlos de Oliveira quase tudo era efémero. As dunas como as casas que duram uma geração. Eram construídas em tijolo de adobe, muitas vezes com a própria argila que era retirada das fundações. A tipologia era muito semelhante.
Caracteriza-se por ser uma construção em L. Fica sempre à beira de uma via de comunicação e a parte frontal junto da via é o bloco que tem o pé direito mais alto e tem um portão grande. Era o ponto de passagem das pessoas e sobretudo de carros de bois e produtos agrícolas. A parte habitada tem alpendres virados para sul. Deste modo, é uma casa com grande eficiência energética quer devido aos materiais quer devido à exposição solar.
A explicação é de Brigitte Capeloa, do município de Mira. É uma profunda conhecedora da história da Casa Gandaresa e adianta que a arquitetura e a funcionalidade dos elementos da fachada da casa gandaresa: “a janela do lado direito fica sempre associada à sala e à porta que só abria para a entrada do padre na Páscoa ou quando havia o velório de um morto. Por isso lhe chamam a Porta do Morto porque, de resto, toda a entrada na casa era feita pelo portão. A outra janela é a da meia-sala. Era um quarto raramente utilizado. Só para visitas ou quando alguém estava doente. A casa tinha depois um corredor com dois quartos. Um era o das meninas, com um postigo muito pequeno e quase sem janelas. No outro lado era o quarto dos pais. A divisória seguinte era a cozinha que era maior porque era onde se passava a vida familiar. Os rapazes, a partir do sete ou oito anos dormiam debaixo das escadas ou na casa da arrumação. Não tinham quarto.”
O mobiliário e a decoração eram também muito pobres, limitava-se ao mínimo dos mínimos e de uma profunda simplicidade. Muitas vezes a mobília era feito pelo próprio proprietário. “A sala tinha uma cómoda e pouco mais. Os quartos da meia-sala, das raparigas e dos pais tinham uma cama cada um ou uma esteira. Por vezes nem mesa de cabeceira porque não cabia. Penduravam a roupa numa corda que era presa numa esquina. A cozinha é que tinha mais mobiliário. Quando da colocação do soalho faziam logo os armários embutidos nas paredes e na chaminé”.
Ao percorrermos algumas estradas da Gândara ainda são visíveis algumas destas casas. O incêndio de 2017 destruiu vários exemplares, mas os municípios estão a desenvolver iniciativas para a recuperação das casas e a valorização turística através de um roteiro de casas gandaresas que funcionam como rede de alojamento local. A iniciativa é dos municípios de Vagos, Mira e Cantanhede.
Em Mira, no Museu do Território da Gândara encontra informação detalhada sobre a casa, a etnografia, as relações sociais e económicas e a história do povo da Gândara.
Outra visita recomendada é à Casa-Museu de Santo António de Vagos. Realizam visitas guiadas. Trata-se de uma casa gandaresa construída em 1937 e que preserva as caraterísticas da casa típica da Gândara.
Aqui pode ver um excelente artigo sobre a Casa Gandaresa e o contexto da sua construção.
A porta do morto na casa gandaresa faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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